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Crítica/Teatro
Moura faz o Hamlet da sua geração
Ator triunfa como o protagonista do texto-síntese do teatro em montagem antológica do diretor Aderbal Freire-Filho
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Wagner Moura lançou-se na empreitada iniciática de "fazer seu Hamlet" com a intenção que fosse apenas mais uma
montagem. Falhou: é o Hamlet
emblemático da sua geração.
Espelho inesgotável, mas que
reflete apenas o que se põe na
sua frente, a obra-prima de
Shakespeare, síntese do teatro,
já teve o rosto compenetrado
de Sérgio Cardoso, que assumia
o papel de construir o moderno
teatro brasileiro; e, em oposição, um Marcelo Drummond se
estraçalhando como um camicase nos caóticos anos 90, na
montagem do Oficina.
Moura, Hamlet do milênio,
tem pela frente um país que se
reergue praticamente de ruínas, mas tendo aprendido importantes lições. Vestindo o
personagem como uma armadura, consciente da batalha,
Moura precisa primeiro exorcizar o fantasma da grandiloqüência com o humor adolescente que tanto o marcou.
Não é pela melancolia, mas
pelo deboche exasperado que
ele rejeita a podridão de seu reino e ganha a platéia nos trocadilhos e na marcação frenética.
Mas há método nessa loucura:
quando é preciso, triunfa pela
simplicidade, e inesquecíveis
monólogos marcam sua entrada definitiva no mundo adulto.
Com uma preciosa tradução
dividida entre ele, Bárbara
Harrington e o diretor Aderbal
Freire-Filho, se faz compreender sem perder o frescor nem a
beleza sonora. O "ser ou não
ser" tem seu peso devido, ou seja, um devaneio entre parênteses, quando o mais importante
está em suas considerações sobre o próprio teatro.
Para isso, é preciso um diretor que ponha seu currículo inteiro em cena, como faz Freire-Filho. Não pode ser menos,
com "Hamlet": tudo o que o diretor já fez soa como uma preparação para o que se vê aqui.
No cenário, retoma com Fernando Mello da Costa a experiência do "Púcaro Búlgaro":
coxias abertas, abarrotadas,
com atores atentos, em contraste com o palco nu. Há o vídeo em cena, que esfriava "O
Que Diz Molero", e que agora
acompanha passo a passo o texto, desdobrando suas leituras
com grande impacto visual.
Rei coletivo
Em uma metalinguagem, o
pai de Hamlet, rei destronado
por um canastrão, é uma entidade coletiva, feita pelo elenco
de apoio que se reveza na armadura: a verdadeira majestade é
da trupe, não do indivíduo. Mas
cada peça desse quebra-cabeças é precisamente ajustada.
Tonico Pereira, com sua bonomia que remeteria mais a
Polônio, faz um Cláudio extremamente simpático, e por isso
perigoso. Humano em sua fraqueza, Pereira atinge a maturidade como ator encontrando a
dor no centro do cômico.
Georgiana Góes é uma adolescente que se estraçalha na
dor, por sambas e frevos que
parecem improvisados na hora,
façanha de Rodrigo Amarante.
Fábio Lago faz um Laertes
transfigurado pelo ódio, que recobra a integridade no final. Já
Gillray Coutinho aproveita tudo o que Polônio pode lhe oferecer, na sua técnica espantosa.
Marcelo Flores e Cláudio Mendes, clowns meticulosos, sabem honrar seus solos, enquanto coveiros e atores. Carla
Ribas tem grande dignidade como Gertrudes, mas fica um
pouco deslocada quando o desvario triunfa. Caio Junqueira
(Horácio) e Felipe Kouri completam um elenco no qual ninguém faz sombra a ninguém, e é
a história que prevalece.
Esse "Hamlet" é indispensável e antológico por sua essencialidade. Não busca ser original, mas eficiente, e faz um apelo contagiante pela própria
grandeza do teatro. Na ratoeira
de "Hamlet", o que fica preso é
o coração da platéia, com os
olhos abertos para se ver refletido nesse espelho infinito.
HAMLET
Quando: sex. e sáb., às 20h; dom., às
18h; até 28/9
Onde: teatro Faap (r. Alagoas, 903,
São Paulo, tel. 0/xx/11/3662-7233;
classificação: 14 anos)
Quanto: R$ 80
Avaliação: ótimo
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