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"Deixarei a Osesp nos píncaros da glória", diz maestro
John Neschling afirma que sai por conta própria, mas fala em "ataques desestabilizadores" do governo Serra
Para regente, Secretaria da Cultura está mal informada sobre gestão da orquestra
e realizar concurso para substitui-lo é "loucura"
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
John Neschling se diz "magoado" por não renovar seu
contrato como diretor artístico
da Osesp (Orquestra Sinfônica
do Estado de São Paulo). Afirma à Folha que tocará a programação até o final de 2010 e
prosseguirá com as turnês ao
exterior cujos custos foram um
dos motivos de atrito com a Secretaria do Estado da Cultura.
Ele atribui sua queda a uma
rede de intrigas, a seu ver
atuante entre assessores do secretário João Sayad e do governador José Serra. Eis os principais trechos de sua entrevista.
FOLHA - Qual a relação entre sua
saída e a consultoria feita por um
enviado da Associação das Orquestras Sinfônicas Americanas?
JOHN NESCHLING - Conheci o
Henry Fogel em Nova York, na
segunda passagem da Osesp
pela cidade. Ele fez elogios rasgados à Osesp, da qual tinha todas as gravações. Quando a
Osesp se filiou à associação, ele
esteve no Brasil. Eu não soube
de consultoria ou de auditoria
nenhuma. Não foi essa, então, a
razão para a minha saída.
FOLHA - Outra informação é a de
que o Conselho da Fundação Osesp
já havia decidido por seu afastamento, e que sua carta apenas confirmou um fato já consumado.
NESCHLING - Ao que eu saiba,
essa é uma absoluta invenção
do governo do Estado e da assessoria do secretário da Cultura. A decisão foi exclusivamente minha. Eu estava preocupado com as ingerências. As
posições que o secretário defende, por estar mal-assessorado, são irrealistas.
FOLHA - Cite exemplos.
NESCHLING - Por exemplo, convocar um concurso para maestro. Demonstra o total desconhecimento de como se faz a
sucessão numa grande orquestra. E também contradiz a idéia
de contratarem alguém como o
Daniel Barenboim [diretor da
Staatskapelle, de Berlim], conforme boato que a assessoria
dele espalhou para me atingir.
FOLHA - Esse boato o incomodou?
NESCHLING - Não, porque eu sabia o tempo todo que era uma
loucura. É a mesma coisa que
você dizer que tem que ser o
Cláudio Abbado [diretor da Filarmônica de Berlim entre
1989 e 2002], depois o Simon
Rattle [sucessor de Abbado]. É
completamente fora de propósito achar que um desses nomes venha a São Paulo para fazer um trabalho concentrado
que a Osesp ainda necessita.
Ele não se dedicaria 11 meses
por ano. Lançam a idéia de um
concurso como se dele fossem
participar o Barenboim, o Ricardo Mutti [ex-diretor do La
Scala, e hoje na Sinfônica de
Chicago] e o Júlio Medaglia.
FOLHA - Duas pessoas do Conselho
da Fundação disseram à Folha que
sua situação estava se deteriorando
e que estava na hora de substituí-lo.
NESCHLING - Não duvido que o
conselho tenha pensado na hipótese de uma alternativa.
Desde o começo do governo
Serra tenho sido objeto de ataques desestabilizadores. Tentaram neste ano nos tirar R$ 10
milhões, o que seria 20% de
nosso orçamento. Mas não
conseguiram, porque o conselho defendeu brilhantemente o
orçamento. Mas creio que o
conselho sofreu enormes pressões políticas. O governo precisaria me tratar a pão-de-ló, e
não me apedrejar.
FOLHA - Aqui entra a renovação de
seu contrato.
NESCHLING - Meu contrato acaba em outubro de 2010. Há
uma cláusula pela qual dois
anos antes do final ele pode ser
renovado por mais um ano. Se
fosse o caso, o contrato seria
renovado agora até 2011. Com
minha decisão da não-renovação, eu provavelmente farei a
turnê à Europa, em novembro
de 2010, e acabe a temporada
daquele ano. Deixarei a orquestra nos píncaros da glória. Tocaremos em Berlim, em Viena,
faremos uma sinfonia de Gustav Mahler em Salzburgo.
FOLHA - Mas haverá dinheiro para
essas turnês? O secretário de Cultura diz que elas são muito caras.
NESCHLING - Não se pode ter
uma visão provinciana e redutiva. Se gravamos música brasileira e ganhamos prêmios, é para que a Osesp seja conhecida.
É como se dissessem que o futebol brasileiro não pode participar de Copa do Mundo e deve
apenas jogar no Brasil. O presidente da gravadora Bis [sueca],
Robert von Bahr, enviou uma
carta perplexa ao Conselho da
Fundação ao saber de minha
saída. Ele sabe que sem turnês
a orquestra não é conhecida, e
se não for conhecida não venderá CDs. Qual é a grande orquestra mundial que não viaja?
FOLHA - Consta que o que azedou
sua relação com o governo foi a gravação postada no YouTube [Neschling, sem saber que era gravado,
em outubro do ano passado qualificou Serra de "menino minado"].
NESCHLING - Não acredito que o
governador seja tão simplório
para se deixar levar por uma
bobagem dessas.
FOLHA - Serra chegou a ouvir a
Osesp depois de eleito?
NESCHLING - Nunca. Eu o convidei diversas vezes. Nunca tive
nenhum contato com o Serra
depois da eleição.
FOLHA - Qual foi a discussão sobre
o corte de verbas?
NESCHLING - Existe um orçamento dado pelo Estado, de R$
43 milhões. Há com ele um
contrato de gestão que prevê
metas. Entre elas fazia parte a
Academia [escola da orquestra
para aperfeiçoamento de músicos já formados] e as turnês internacionais. O secretário é
mal informado por seus assessores. Ele disse à Folha que em
2008 a Academia tinha oito
alunos e custou R$ 1 milhão.
Não é verdade. Neste ano, ela
custa R$ 680 mil e atendeu a 21
alunos. É a salvação da Osesp.
Na secretaria, o Projeto Guri
custa R$ 60 milhões e não forma um só músico.
FOLHA - Mas é um projeto de inserção social.
NESCHLING - Mas não tem uma
idéia de excelência. A Academia é um projeto de excelência.
FOLHA - Seu salário [R$ 100 mil
mensais] foi o cavalo-de-batalha?
NESCHLING - Isso demonstraria
a pequenez da assessoria do secretário. Quanto eles pagariam
ao Barenboim? No mínimo oito vezes a mais para fazer quatro vezes menos.
FOLHA - Discutiram seu salário?
NESCHLING - Eu estou há 12
anos com o mesmo salário, sem
ser reajustado. Quando o Parreira era treinador da seleção,
ganhava R$ 164 mil por mês.
Que discussão é essa? É simples dizer que há dez grandes
maestros brasileiros. Mas cadê
as dez Osesps? Onde é que estão dez vezes os 12 mil assinantes? E as dez Salas São Paulo?
FOLHA - Alguns argumentam que
sua carta ao conselho vai gerar uma
reação. E que a partir dessa reação o
sr. pode ter o contrato renovado.
NESCHLING - Isso não procede.
Não estou jogando, é para valer.
FOLHA - A Osesp viverá até o final
de 2010 um período nebuloso?
NESCHLING - Claro que não. Serei o diretor da Osesp até o último dia. Eu garantirei sua qualidade. Não haverá período de
transição. Se surgirem rumores
ou fofocas, eles não dependerão
de mim. Depois a orquestra estará nas mãos deles.
FOLHA - O sr. está magoado?
NESCHLING - Evidentemente
que estou magoado, ferido,
chateado. Mais que tudo, estou
profundamente preocupado
com o futuro da Osesp. Uma orquestra tem um ciclo de vida.
No Brasil, a única orquestra
que verdadeiramente funciona
é a Osesp.
FOLHA - O projeto da Osesp pode
então a seu ver entrar em colapso?
NESCHLING - Não é que eu ache.
Eu temo por isso.
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