São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Deixarei a Osesp nos píncaros da glória", diz maestro

John Neschling afirma que sai por conta própria, mas fala em "ataques desestabilizadores" do governo Serra

Para regente, Secretaria da Cultura está mal informada sobre gestão da orquestra e realizar concurso para substitui-lo é "loucura"

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

John Neschling se diz "magoado" por não renovar seu contrato como diretor artístico da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Afirma à Folha que tocará a programação até o final de 2010 e prosseguirá com as turnês ao exterior cujos custos foram um dos motivos de atrito com a Secretaria do Estado da Cultura.
Ele atribui sua queda a uma rede de intrigas, a seu ver atuante entre assessores do secretário João Sayad e do governador José Serra. Eis os principais trechos de sua entrevista.

 

FOLHA - Qual a relação entre sua saída e a consultoria feita por um enviado da Associação das Orquestras Sinfônicas Americanas?
JOHN NESCHLING -
Conheci o Henry Fogel em Nova York, na segunda passagem da Osesp pela cidade. Ele fez elogios rasgados à Osesp, da qual tinha todas as gravações. Quando a Osesp se filiou à associação, ele esteve no Brasil. Eu não soube de consultoria ou de auditoria nenhuma. Não foi essa, então, a razão para a minha saída.

FOLHA - Outra informação é a de que o Conselho da Fundação Osesp já havia decidido por seu afastamento, e que sua carta apenas confirmou um fato já consumado.
NESCHLING -
Ao que eu saiba, essa é uma absoluta invenção do governo do Estado e da assessoria do secretário da Cultura. A decisão foi exclusivamente minha. Eu estava preocupado com as ingerências. As posições que o secretário defende, por estar mal-assessorado, são irrealistas.

FOLHA - Cite exemplos.
NESCHLING -
Por exemplo, convocar um concurso para maestro. Demonstra o total desconhecimento de como se faz a sucessão numa grande orquestra. E também contradiz a idéia de contratarem alguém como o Daniel Barenboim [diretor da Staatskapelle, de Berlim], conforme boato que a assessoria dele espalhou para me atingir.

FOLHA - Esse boato o incomodou?
NESCHLING -
Não, porque eu sabia o tempo todo que era uma loucura. É a mesma coisa que você dizer que tem que ser o Cláudio Abbado [diretor da Filarmônica de Berlim entre 1989 e 2002], depois o Simon Rattle [sucessor de Abbado]. É completamente fora de propósito achar que um desses nomes venha a São Paulo para fazer um trabalho concentrado que a Osesp ainda necessita.
Ele não se dedicaria 11 meses por ano. Lançam a idéia de um concurso como se dele fossem participar o Barenboim, o Ricardo Mutti [ex-diretor do La Scala, e hoje na Sinfônica de Chicago] e o Júlio Medaglia.

FOLHA - Duas pessoas do Conselho da Fundação disseram à Folha que sua situação estava se deteriorando e que estava na hora de substituí-lo.
NESCHLING -
Não duvido que o conselho tenha pensado na hipótese de uma alternativa. Desde o começo do governo Serra tenho sido objeto de ataques desestabilizadores. Tentaram neste ano nos tirar R$ 10 milhões, o que seria 20% de nosso orçamento. Mas não conseguiram, porque o conselho defendeu brilhantemente o orçamento. Mas creio que o conselho sofreu enormes pressões políticas. O governo precisaria me tratar a pão-de-ló, e não me apedrejar.

FOLHA - Aqui entra a renovação de seu contrato.
NESCHLING -
Meu contrato acaba em outubro de 2010. Há uma cláusula pela qual dois anos antes do final ele pode ser renovado por mais um ano. Se fosse o caso, o contrato seria renovado agora até 2011. Com minha decisão da não-renovação, eu provavelmente farei a turnê à Europa, em novembro de 2010, e acabe a temporada daquele ano. Deixarei a orquestra nos píncaros da glória. Tocaremos em Berlim, em Viena, faremos uma sinfonia de Gustav Mahler em Salzburgo.

FOLHA - Mas haverá dinheiro para essas turnês? O secretário de Cultura diz que elas são muito caras.
NESCHLING -
Não se pode ter uma visão provinciana e redutiva. Se gravamos música brasileira e ganhamos prêmios, é para que a Osesp seja conhecida.
É como se dissessem que o futebol brasileiro não pode participar de Copa do Mundo e deve apenas jogar no Brasil. O presidente da gravadora Bis [sueca], Robert von Bahr, enviou uma carta perplexa ao Conselho da Fundação ao saber de minha saída. Ele sabe que sem turnês a orquestra não é conhecida, e se não for conhecida não venderá CDs. Qual é a grande orquestra mundial que não viaja?

FOLHA - Consta que o que azedou sua relação com o governo foi a gravação postada no YouTube [Neschling, sem saber que era gravado, em outubro do ano passado qualificou Serra de "menino minado"].
NESCHLING -
Não acredito que o governador seja tão simplório para se deixar levar por uma bobagem dessas.

FOLHA - Serra chegou a ouvir a Osesp depois de eleito?
NESCHLING -
Nunca. Eu o convidei diversas vezes. Nunca tive nenhum contato com o Serra depois da eleição.

FOLHA - Qual foi a discussão sobre o corte de verbas?
NESCHLING -
Existe um orçamento dado pelo Estado, de R$ 43 milhões. Há com ele um contrato de gestão que prevê metas. Entre elas fazia parte a Academia [escola da orquestra para aperfeiçoamento de músicos já formados] e as turnês internacionais. O secretário é mal informado por seus assessores. Ele disse à Folha que em 2008 a Academia tinha oito alunos e custou R$ 1 milhão. Não é verdade. Neste ano, ela custa R$ 680 mil e atendeu a 21 alunos. É a salvação da Osesp. Na secretaria, o Projeto Guri custa R$ 60 milhões e não forma um só músico.

FOLHA - Mas é um projeto de inserção social.
NESCHLING -
Mas não tem uma idéia de excelência. A Academia é um projeto de excelência.

FOLHA - Seu salário [R$ 100 mil mensais] foi o cavalo-de-batalha?
NESCHLING -
Isso demonstraria a pequenez da assessoria do secretário. Quanto eles pagariam ao Barenboim? No mínimo oito vezes a mais para fazer quatro vezes menos.

FOLHA - Discutiram seu salário?
NESCHLING -
Eu estou há 12 anos com o mesmo salário, sem ser reajustado. Quando o Parreira era treinador da seleção, ganhava R$ 164 mil por mês. Que discussão é essa? É simples dizer que há dez grandes maestros brasileiros. Mas cadê as dez Osesps? Onde é que estão dez vezes os 12 mil assinantes? E as dez Salas São Paulo?

FOLHA - Alguns argumentam que sua carta ao conselho vai gerar uma reação. E que a partir dessa reação o sr. pode ter o contrato renovado.
NESCHLING -
Isso não procede. Não estou jogando, é para valer.

FOLHA - A Osesp viverá até o final de 2010 um período nebuloso?
NESCHLING -
Claro que não. Serei o diretor da Osesp até o último dia. Eu garantirei sua qualidade. Não haverá período de transição. Se surgirem rumores ou fofocas, eles não dependerão de mim. Depois a orquestra estará nas mãos deles.

FOLHA - O sr. está magoado?
NESCHLING -
Evidentemente que estou magoado, ferido, chateado. Mais que tudo, estou profundamente preocupado com o futuro da Osesp. Uma orquestra tem um ciclo de vida. No Brasil, a única orquestra que verdadeiramente funciona é a Osesp.

FOLHA - O projeto da Osesp pode então a seu ver entrar em colapso?
NESCHLING -
Não é que eu ache. Eu temo por isso.


Texto Anterior: Sociologia: Goethe debate "direita e esquerda hoje"
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.