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Crítica/"Uma Diáspora Descontente"
Livro parte de tese frágil para justificar militância entre nikkeis
Obra busca relação entre atuação em grupo armado e objetivo de ter brasilidade reconhecida
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
brasilianista Jeffrey
Lesser levanta uma
questão elusiva em
"Uma Diáspora Descontente":
a suposta existência do fator étnico na militância nikkei durante a ditadura militar. A
maior dificuldade não é nem
provar a tese, mas colocar de pé
o pressuposto.
Lesser, professor de história
da Universidade Emory, quer
demonstrar que, ao participar
de grupos armados, os nikkeis
tinham também o objetivo,
nunca alcançado, de ver reconhecida sua brasilidade.
Entrevistou vários ex-militantes. Todos eles, relata o próprio autor, disseram não perceber o que o fato de serem nikkeis tinha a ver com sua militância. Ao cabo da leitura do livro, essa é a pergunta que o leitor também se faz.
É quase impossível estabelecer-se a conexão com rigor acadêmico. Primeiro, a identificação de razões subjetivas e até
inconscientes é tarefa mais
afeita à psicologia do que à história. Segundo, os poucos casos
de nikkeis guerrilheiros tornam a abordagem estatisticamente irrelevante.
Não se trata de negar que vários desses nikkeis tenham agido com motivação étnica. A soma de casos isolados, no entanto, não forma nem um conjunto
homogêneo nem uma realidade verificável.
Vários casos relatados, de
qualquer maneira, valem por si
próprios, independentemente
de servirem ou não à tese
do livro. Embora conhecidos,
eles complementam a historiografia do período devido ao
viés étnico.
Seqüestro do cônsul
Em 1970, por exemplo, o seqüestro do cônsul japonês de
São Paulo, Nobuo Okuchi, teve
o objetivo principal de libertar
o guerrilheiro nikkei conhecido
como Mário Japa. "Se eles pegaram o nosso japonês, vamos
pegar o japonês deles", comentou uma integrante do grupo
responsável pela ação.
Pouco depois, num outro
episódio, André Massafumi,
um dos militantes mais procurados, entregou-se às autoridades, arrependendo-se publicamente de suas atividades. Acusado de traidor pela esquerda,
ele insinuaria mais tarde que a
pressão da comunidade japonesa o fizera mudar de lado.
A imprensa na época dava
aos nikkeis destaque desproporcional à importância que tinham na luta armada. A maioria, obediente, mostrava-se
confiável e tarefeira; só alguns,
mais violentos, eram considerados verdadeiros samurais.
O interesse dos jornais e revistas, no entanto, derivava do
contraste. Afinal, os nikkeis
eram uma etnia em ascensão
econômica pela via das universidades, onde eram super-representados, e projetavam
uma imagem de docilidade que
não se ajustava ao perfil do
guerrilheiro.
Lançado por ocasião do centenário da imigração japonesa,
"Uma Diáspora Descontente",
apesar da fragilidade da tese
central, tem histórias suficientes para fazer um saudável contraponto às comemorações.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha)
UMA DIÁSPORA DESCONTENTE
Autor: Jeffrey Lesser
Tradução: Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres
Editora: Paz e Terra
Quanto: R$ 45 (294 págs.)
Avaliação: regular
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