São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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CRÍTICA

Humor bagaceiro recupera alegria anárquica

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

A combinação de produção precária com cinismo às vezes resulta em bons momentos da TV. Um degrau acima da precariedade que se leva a sério na produção capenga de ficção e humor de emissoras B -e vários metros à esquerda do aparato pomposo do dinheiro sem imaginação da emissora A-, programas do tipo "Pânico na TV", da Rede TV!, e o "Rock Gol", da MTV, recuperam uma espécie de alegria anárquica de fazer televisão -e um descompromisso divertido de assisti-la.
Apesar de uma certa diferença nos moldes -"Pânico na TV" é um programa de auditório, por assim dizer; o "Rock Gol" é um programa de humor que satiriza os programas esportivos-, ambos bebem na mesma matriz, os diversos programas apresentados pelo Chacrinha e o "Perdidos na Noite" à época de Fausto Silva na Bandeirantes. Ainda não estava generalizada a gíria, mas aquilo que ambos faziam lá atrás era o que se chama hoje de humor bagaceiro, com um pé no mau gosto e o outro na sofisticada capacidade de rir de si mesmo -e não apenas dos outros.
O "Pânico" veio de uma experiência já bem-sucedida do rádio e tem conseguido se destacar como programa televisivo justamente pelo ar de bagunça e de improviso. Com humoristas experientes, idéias absurdas e uma enorme cara-de-pau, eles conseguem criar uma alternativa ao humor já meio engomadinho e por vezes um tanto engessado do "Casseta & Planeta". O principal objeto de caricatura é mesmo a própria televisão -a imitação de Silvio Santos é quase brilhante- e seus personagens e situações.
O "Rock Gol" seria -e era- só uma tentativa de combinar futebol e música, mas, desde que Paulo Bonfá e Marco Bianchi passaram a narrar e comentar as peladas, a coisa mudou de figura. Não fossem os jogos em si já engraçados, a dupla transformou o "Rock Gol" em um dos poucos momentos que a TV ultrapassa os limites do nonsense.
Bonfá, como narrador, dá um show de ironia, ao mesmo tempo satirizando o linguajar dos locutores esportivos e as pretensões futebolísticas do povo do pop (com exceção de um ou outro com mais habilidade, os músicos e roadies das bandas brasileiras não passam de pernas-de-pau). E Bianchi, o comentarista, é um sujeito com uma enorme capacidade de falar sem dizer nada.
A marca tanto da equipe do "Pânico" como da dupla Bonfá-Bianchi é não subestimar a inteligência do espectador -e nisso eles se distanciam de 80% dos programas de humor. Pelo contrário, a graça de ambos programas é urdida numa espécie de cumplicidade com o espectador e, na verdade, depende e muito de sua capacidade crítica. A produção que admite as falhas e o espaço para o improviso tornam aquele que assiste ainda mais propenso a rir -daquilo que ele está vendo no momento, mas também daquilo que lhe enfiam goela abaixo todo santo dia.

biabramo.tv@uol.com.br


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