|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Humor bagaceiro recupera alegria anárquica
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
A combinação de produção precária com cinismo às
vezes resulta em bons momentos
da TV. Um degrau acima da precariedade que se leva a sério na
produção capenga de ficção e humor de emissoras B -e vários
metros à esquerda do aparato
pomposo do dinheiro sem imaginação da emissora A-, programas do tipo "Pânico na TV",
da Rede TV!, e o "Rock Gol", da
MTV, recuperam uma espécie de
alegria anárquica de fazer televisão -e um descompromisso divertido de assisti-la.
Apesar de uma certa diferença
nos moldes -"Pânico na TV" é
um programa de auditório, por
assim dizer; o "Rock Gol" é um
programa de humor que satiriza
os programas esportivos-, ambos bebem na mesma matriz, os
diversos programas apresentados pelo Chacrinha e o "Perdidos
na Noite" à época de Fausto Silva
na Bandeirantes. Ainda não estava generalizada a gíria, mas aquilo que ambos faziam lá atrás era o
que se chama hoje de humor bagaceiro, com um pé no mau gosto e o outro na sofisticada capacidade de rir de si mesmo -e não
apenas dos outros.
O "Pânico" veio de uma experiência já bem-sucedida do rádio
e tem conseguido se destacar como programa televisivo justamente pelo ar de bagunça e de
improviso. Com humoristas experientes, idéias absurdas e uma
enorme cara-de-pau, eles conseguem criar uma alternativa ao
humor já meio engomadinho e
por vezes um tanto engessado do
"Casseta & Planeta". O principal
objeto de caricatura é mesmo a
própria televisão -a imitação de
Silvio Santos é quase brilhante-
e seus personagens e situações.
O "Rock Gol" seria -e era-
só uma tentativa de combinar futebol e música, mas, desde que
Paulo Bonfá e Marco Bianchi
passaram a narrar e comentar as
peladas, a coisa mudou de figura.
Não fossem os jogos em si já engraçados, a dupla transformou o
"Rock Gol" em um dos poucos
momentos que a TV ultrapassa
os limites do nonsense.
Bonfá, como narrador, dá um
show de ironia, ao mesmo tempo
satirizando o linguajar dos locutores esportivos e as pretensões
futebolísticas do povo do pop
(com exceção de um ou outro
com mais habilidade, os músicos
e roadies das bandas brasileiras
não passam de pernas-de-pau).
E Bianchi, o comentarista, é um
sujeito com uma enorme capacidade de falar sem dizer nada.
A marca tanto da equipe do
"Pânico" como da dupla Bonfá-Bianchi é não subestimar a inteligência do espectador -e nisso
eles se distanciam de 80% dos
programas de humor. Pelo contrário, a graça de ambos programas é urdida numa espécie de
cumplicidade com o espectador
e, na verdade, depende e muito
de sua capacidade crítica. A produção que admite as falhas e o espaço para o improviso tornam
aquele que assiste ainda mais
propenso a rir -daquilo que ele
está vendo no momento, mas
também daquilo que lhe enfiam
goela abaixo todo santo dia.
biabramo.tv@uol.com.br
Texto Anterior: Novelas da semana Próximo Texto: Os piratas se divertem Índice
|