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CRÍTICA
Cláudio Assis busca a poesia do sórdido
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Amarelo Manga" é um
filme de uma vitalidade à
flor da tela. Sua característica
mais marcante é a sensualidade
-no sentido mais amplo da palavra, que implica a abertura dos
sentidos para tudo o que é vivo.
Nos ambientes sórdidos do filme -um hotel caindo aos pedaços, um bar mal frequentado, um
açougue, ruas de periferia-, o
drama e a comédia humana fervilham sob formas variadas, assim
como no lodo do mangue prolifera uma infinidade de seres vivos.
A narrativa de "Amarelo Manga" entrelaça inúmeros personagens, todos marginalizados de
uma maneira ou de outra, e concede a cada um deles o tempo e a
atenção necessários para que se
revelem em sua humanidade.
A cada momento uma história
ganha o primeiro plano. Há, por
exemplo, o açougueiro (Chico
Diaz) colhido em flagrante adultério pela mulher religiosa (Dira
Paes) que concebe uma vingança
sangrenta. Ou a soliltária dona de
botequim (Leona Cavalli) assediada por um homem estranho,
provável traficante (Jonas Bloch),
que cruza a cidade num velho
Mercedes amarelo.
Se o vigor é o que mais chama a
atenção em "Amarelo Manga", isso se sustenta graças a um equilíbrio entre contrários. Em primeiro lugar, entre ficção e documentário: os bairros de Recife por onde transitam os personagens não
são mero pano de fundo para a
ação. Seus ambientes e tipos sociais tomam conta da tela. É quase
possível sentir o cheiro de cada esquina. Há um equilíbrio tenso entre o estático (o Texas Hotel, o bar
da Lygia) e o móvel (as ruas por
onde roda a Mercedes ou perambula a mulher traída).
O mais sutil desses jogos de
opostos, e o mais profundo e vital,
talvez seja o das cores. As predominantes são o vermelho sangue e
o amarelo manga. O sangue dos
bois abatidos "chama" o sangue
da vingança de Kika. O amarelo
do púbis de Lígia conduz o Mercedes amarelo do perseguidor.
"Amarelo Manga" é também
uma história de transfiguração
dos papéis do macho e da fêmea
-um dos personagens centrais
do filme é um travesti (Matheus
Nachtergaele). No calor da ação,
as mulheres viram machos, os homens se emasculam.
Depurados e inseridos numa
narrativa mais complexa, os excessos escatológicos que prejudicavam o curta-metragem "Texas
Hotel" -uma espécie de rascunho de "Amarelo Manga"- ganham sentido no longa.
Alguns dos achados estilísticos
do curta, como a câmera que esquadrinha (e acentua) a solidão
dos personagens, enxergando-os
a partir do teto, estão presentes de
novo. Não há como separar o
poético do sórdido. Ao entrar para ver "Amarelo Manga", compra-se o pacote todo. É pegar ou
largar.
Amarelo Manga
Produção: Brasil, 2002
Direção: Cláudio Assis
Com: Matheus Nachtergaele, Jonas
Bloch, Dira Paes, Leona Cavalli
Quando: estréia em 15 de agosto
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