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Outra opinião/"Batman - O Cavaleiro das Trevas"
Realista e extremamente sério, "Batman" cai na redundância
Nolan cria jogo em que fantástico e real se fundem e resultam em filme-discurso
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
A
grande expectativa em
torno da estréia de
"Batman - O Cavaleiro
das Trevas" tornou quase impossível uma apreciação do filme fora de seu contexto de lançamento. A mais bem-sucedida
campanha de marketing dos últimos tempos chegou perto do
ideal de Hollywood: transformar o próprio filme em um mito, como seu personagem.
Nos dois lados -"dentro" e
"fora" da tela-, fabricou-se um
jogo de espelhos em que fantástico e real formaram uma só
realidade, com uma triste contribuição do acaso (a morte de
Heath Ledger, seguida pela insistência em relacioná-la ao seu
personagem, o vilão Coringa).
De certa forma, o Batman de
Christopher Nolan é o oposto
absoluto daquele imaginado
por Tim Burton em "Batman"
(1989) e "Batman Returns"
(1992). Se Burton confiava na
ilusão e na necessidade da ironia como antídoto para pretensões alegóricas, Nolan apostou
suas fichas no realismo e na seriedade extrema. O slogan do
filme, retirado de uma frase de
Coringa, se impõe como a pergunta que deve ser feita ao diretor Christopher Nolan: "Why
so serious???" (por que tanta
seriedade???).
Em "O Cavaleiro das Trevas",
aquela antiga noção de que o
filme fantástico e a ficção científica são reflexos de questões
de nosso tempo ganhou um
grau de autoconsciência nunca
visto. Talvez o problema não
seja a autoconsciência em si,
mas sua transformação em auto-importância.
Filme-discurso
Apesar das boas seqüências
de ação, que de fato representam um imenso avanço em relação a "Batman Begins", "O
Cavaleiro das Trevas" é um filme-discurso, reiterativo, em
que os personagens fazem
questão de explicar seu papel.
O próprio Coringa é cheio de
frases que descrevem sua função dramática. Vê-se, nele, uma
encarnação do caos, uma espécie de soma de todos os medos
dos EUA pós-11 de Setembro.
Além do evidente caráter alegórico de Batman, a necessidade de realismo só reforça a redundância. A hoje obrigatória
exposição de produtos e engenhocas tecnológicas nos blockbusters hollywoodianos (que,
neste caso, vão de telefones celulares a automóveis e armas
com alto poder de destruição) é
exaustiva em "Cavaleiro das
Trevas" -e as funções desses
objetos serão explicadas detalhadamente. O personagem
que cumpre esse doloroso papel é Lucius Fox, braço-direito
de Bruce Wayne, interpretado
por Morgan Freeman.
A materialização do caráter
filosófico de "Cavaleiro das
Trevas" se dá em casos que
obrigam Batman e seus aliados
a tomarem decisões de abalar a
moral de qualquer um -e que,
supostamente, levariam o espectador à reflexão. Mas Coringa revela-se uma espécie de roteirista do "Você Decide",
criando desfechos francamente
demagógicos, como aquele com
duas barcas recheadas de explosivos, uma com presidiários,
outra com cidadãos de bem.
É curioso notar, ainda, como
as idéias contidas em "Cavaleiro das Trevas" (a brutalização
do crime e a irrupção do mal como elemento caótico, na forma
de um personagem psicopata)
já foram trabalhadas em um
outro filme lançado neste ano
no Brasil.
"Onde os Fracos Não Têm
Vez", com seu vilão que decide
o destino das pessoas com uma
moeda, talvez seja o "Cavaleiro
das Trevas" com que Chris Nolan havia sonhado -mas que,
para azar seu, já havia sido sonhado com mais potência pelos
irmãos Coen.
BATMAN - O CAVALEIRO DAS
TREVAS
Produção: EUA, 2008
Direção: Christopher Nolan
Com: Heath Ledger, Christian Bale
Onde: em cartaz nos cines Eldorado,
Bristol e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: regular
NA INTERNET
cantodoinacio.blogspot.com
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