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"Clássico underground", festa da Lôca faz 10 anos
Noite dominical de rock e com público em sua maioria gay, Grind é tema de livro
"Tragam os Cavalos Dançantes" traz relatos de freqüentadores de casa que já teve até gente pegando fogo -literalmente
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
Cremou a mãe e foi à Lôca. O
DJ André Pomba tocou na boate da Bela Vista num dos aniversários do Grind, a festa mais
tradicional da vida noturna
paulistana, no dia em que sua
mãe teve o corpo cremado. "Foi
o que me deu uma reerguida",
lembra Pomba, que há dez anos
resolveu abrir a Lôca aos domingos e tocar rock para um
público em sua maioria gay.
Desse misto de euforia e melancolia nasceu a festa que rendeu à boate sua fama de templo
do underground, onde as tribos
puderam se misturar: gays, heterossexuais, roqueiros, punks
e moderninhos.
O aniversário de dez anos do
Grind levou ao lançamento de
"Tragam os Cavalos Dançantes", livro de Lufe Steffen, à
venda em www.tragamoscavalosdancantes.com.br,
que imita a estrutura do clássico sobre a cultura punk "Mate-me, Por Favor", de Legs
McNeil e Gillian McCain.
Sem fatos concretos para dar
uma idéia do que foi e do que é,
de fato, o Grind, o livro traz depoimentos lançados a esmo,
mas que valem, pelo menos,
por seu apelo nostálgico.
Depois de uma viagem a San
Francisco no fim dos anos 90, o
DJ Pomba, segundo lembra, teve a idéia de tocar hits dos anos
80 e rock pesado na Lôca, que
era então o "patinho feio do
meio GLS". "Era o auge da música eletrônica, do culto ao DJ",
lembra. "O Grind ajudou um
pouco a trazer o espírito dos
anos 80 para a frente de novo."
Com a decoração que lembra
uma gruta para rituais sadomasoquistas -assinada pelo mesmo cenógrafo do infantil "Castelo Rá-Tim-Bum"-, a Lôca recebeu, com o Grind, hordas de
adolescentes góticos que "debutaram" na noite na pista grudenta do clube-caverna.
"Eu já vi gente enlouquecendo e tirando a roupa, ficando só
de sapato na pista", conta Nenê, DJ residente e um dos fundadores da Lôca. "É a balada
com a libido mais aflorada."
"As pessoas gostavam de se
beijar em grupo, essa coisa
meio adolescente", opina Lufe
Steffen.
Esse clima chegou a pegar fogo -literalmente. Numa das
lendárias performances do
Grind, um ritual de pirofagia
acabou ateando fogo ao menino que trabalhava na chapelaria. "Eu vi que deu alguma coisa
errado quando ele se queimou
e saiu correndo em chamas pela boate", lembra Nenê. "Depois, jogaram uma cortina nele,
e ficou tudo bem", garante.
Casa da vovó
Hoje, longe do fulgor dionisíaco, a Lôca virou "a casa da
vovó, onde tem que pedir permissão para abrir a geladeira",
nas palavras de um de seus três
donos, Julius Baldermann.
A candidata a prefeita Marta
Suplicy chegou a fazer um comício em plena boate em sua
campanha de 2000. Também já
freqüentaram o clube celebridades como Ana Paula Arósio,
Marina Lima, Eliana -sim, a
dos dedinhos-, Marisa Orth e
até a atriz Tônia Carrero.
Entre as baladas, a Lôca passou à condição de clássico, ou
"underground palatável", como
define Pomba. "As pessoas
aprendem a conviver com as diferenças, a Lôca é um verdadeiro tratado antropológico."
Não à toa, Renato Sztutman,
antropólogo da USP, chama o
entorno da boate na Frei Caneca de Baixo Lôca. "Os lugares
em São Paulo têm vida curta,
mas não a Lôca", afirma. "É um
lugar que agrega pessoas."
Mas essa mistura nem sempre foi tão feliz. Há relatos de
freqüentadores que tiveram
bolsas e carteiras roubadas. A
casa reforçou a segurança, mas
esbarrou em outro problema:
situações em que os vigias também se excedem e brigas se
misturam à festa.
"Isso é normal em qualquer
lugar onde há aglomeração de
gente", diz Baldermann. "A
possibilidade de conviver com
todo tipo de gente às vezes gera
problemas", releva.
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