|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Obra está mais para plataforma de candidato
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
O filósofo francês Luc
Ferry foi ministro
da Juventude e da
Educação no governo de Jacques Chirac, durante cerca
de dois anos. Guardou da experiência uma forte incompatibilidade com reivindicações corporativas. Está convencido da irracionalidade
econômica de muitas bandeiras de esquerda, e não se
empolga com os lemas da antiglobalização.
Tampouco está engajado
numa volta aos velhos ideais
políticos do século 20, sejam
de esquerda ou de direita.
Em nome da "honra nacional" ou da "revolução proletária", milhões foram massacrados.
É também crítico com relação ao mundo do hiperconsumismo e da desregulamentação econômica, onde
as disparidades sociais se
agravam e não há nenhum
valor profundo capaz de justificar o status quo.
Não parecem sobrar grandes idéias para quem quer,
como Ferry, manter-se crítico das desigualdades sociais
e ao mesmo tempo preservar
a suposta racionalidade econômica dos governantes europeus.
Ovo de Colombo
O que fazer? Neste livro
curto e fluente, que poderia
quase ser reduzido a uma entrevista de televisão, o filósofo nos apresenta uma espécie
de "ovo de Colombo". Seu raciocínio é o seguinte. É comum lamentar o "declínio da
política", a decadência das
grandes questões de Estado.
Tudo se recolhe para a esfera
do privado, do doméstico,
das famílias. Pois bem, e se
virássemos a lamúria de cabeça para baixo?
Por que não celebrar, justamente, o âmbito da felicidade pessoal, a dedicação dos
pais pelos filhos, o advento
moderno do casamento por
amor? São fenômenos recentes na história humana (e
o livro cita alguns contra-exemplos apavorantes de
épocas passadas).
Não seria melhor esquecer
de vez certos mitos como a
Revolução e a Glória Nacional, e dizer que a política deve servir aos indivíduos, ajudando-os a alcançar uma vida mais realizada e feliz?
O leitor tende a concordar
com propostas tão modestas;
o difícil é classificar este livro
de "polêmico e inovador",
como fez o crítico Pascal
Bruckner, numa frase reproduzida na capa da edição brasileira.
Afinal, os ideais da auto-realização individual foram
reconhecidos na vida política
desde, pelo menos, a Revolução Americana de 1776.
Além disso, esquerda e direita nunca se mobilizaram
apenas em torno de bandeiras como a Pátria ou a Revolução. Quando um "falcão"
do Pentágono quer a guerra
contra comunistas ou muçulmanos, acredita que esta é
a única maneira de defender
um ideal de vida não muito
diferente daquele apoiado
por Ferry.
E, durante o apogeu da esquerda, também se dizia que
o capitalismo, trazendo
guerras e miséria, era incapaz de propiciar os ideais que
Ferry defende. Seria este o
motivo, afinal, para se fazer
uma Revolução.
Há futuro para o capitalismo globalizado? Sofre ameaças, externas e internas?
Quais as contradições entre
ciência e lucro, entre consumismo e ecologia, aceleração
tecnológica e desemprego,
desencantamento do mundo
e frustração individual?
São perguntas que não se
resolvem propondo novos
"valores" no mercado intelectual -mesmo em suas
praças mais depauperadas,
como a França. Com sua
simpática honestidade, "Família, Amo Vocês" parece
mais a plataforma de um
bom candidato ao parlamento do que um ensaio político
inovador.
FAMÍLIA, AMO VOCÊS
Autor: Luc Ferry
Tradução: Jorge Bastos
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 24,90 (144 págs.)
Avaliação: regular
Texto Anterior: Raio-X: Quem é Luc Ferry Próximo Texto: Nelson Ascher Índice
|