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TELA FRIA
Ex-vice-presidente da Globo diz que "caso PCC" serve de "ensinamento"
PARA BONI, FALTA INOVAÇÃO NA TV
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Um dos responsáveis pela implantação do "padrão Globo de
qualidade" e crítico da má qualidade da programação das TVs,
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, 67, acredita que crises como a enfrentada pelo SBT,
pela exibição de uma entrevista
com falsos integrantes de uma organização criminosa, poderiam
ser evitadas se as emissoras adotassem manuais de conduta ética.
"É fundamental que todos os
profissionais da empresa conheçam o pensamento do dono",
afirma o ex-vice-presidente da
Globo, contrário à suspensão da
exibição de programas pela Justiça, mas favorável à punição pelo
poder concedente, o governo federal, em casos de repetição.
Boni afirma que, à exceção da
Globo, a televisão brasileira é "um
deserto", está no fundo do poço,
não tem criatividade.
A solução para Boni, atualmente envolvido com duas afiliadas da
Globo no interior de São Paulo, é
a regionalização da programação.
"O modelo de rede nacional está
esgotado", afirma.
A seguir, os principais trechos
de entrevista concedida por Boni.
Folha - O sr. foi contra a proibição
pela Justiça da exibição do "Domingo Legal". Qual seria o ideal?
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho - O julgamento é a sociedade
que tem de fazer, por grupos de
pressão, ONGs, e a punição, pelo
poder concedente. O poder concedente deve aplicar punições
gradativas, que podem até culminar na cassação do canal.
É preciso que o poder concedente tenha coragem de aplicar o
seu poder não censurando, mas
examinando a conduta ao longo
do período da concessão, e avaliar
se ela vai ser renovada ou não.
Folha - O que o sr. acha da campanha Quem Financia a Baixaria É
contra a Cidadania?
Oliveira Sobrinho - É uma boa
campanha. A punição financeira
é a mais fácil. Não só os anunciantes, mas as verbas governamentais não podem ir para emissoras
que não tenham conduta correta.
Folha - Se o sr. estivesse no SBT,
com os poderes que teve na Globo,
como agiria no caso do Gugu?
Oliveira Sobrinho - É impossível
para um empresário ou diretor de
emissora assistir a 24 horas de sua
programação. É fundamental que
as emissoras tenham uma política
de conduta, o chamado "police",
que seja vertical e horizontal, que
todos os funcionários conheçam
o pensamento do dono, para evitar deslizes.
Folha - Aparentemente quase
não há política de ética...
Oliveira Sobrinho - Acho que não
tem praticamente nada na TV
brasileira. São raras.
Folha - Seria o caso de adotar manuais e códigos de ética?
Oliveira Sobrinho - Sim.
Folha - E um código de ética por
meio de lei?
Oliveira Sobrinho - Não acredito
em nada que se faça por lei, por
imposição. Isso é responsabilidade de quem tem a concessão.
Folha - O caso de Gugu pode contribuir de alguma forma para a melhoria da TV brasileira?
Oliveira Sobrinho - Um deslize
dessa natureza contribui para melhorar. Serve de ensinamento.
Folha - A televisão brasileira está
no fundo do poço?
Oliveira Sobrinho - Não. Quando
falo que o modelo está esgotado,
quero dizer que temos apenas um
grande produtor de conteúdo,
que é a Rede Globo, que tem políticas muito claras de produção,
comercialização, de conduta.
Um país do tamanho do Brasil
precisa de mais de uma fonte de
informação, de produção.
Folha - Tirando a Globo, as outras
TVs estão no fundo do poço?
Oliveira Sobrinho - Estão. Acho
um deserto. Há empresários competentes, mas não percebo vontade. Deixaram que a Globo tomasse tal dianteira, perderam a vontade de competir. Sem competição
não há melhoria, não há qualidade, não há inovação.
Folha - O sr. não acha que a Globo
está exagerando um pouco em sexo e violência em suas novelas?
Oliveira Sobrinho - Sinceramente, eu procuro não ver muita televisão. Não seria capaz de dizer se
há exagero ou não porque essas
coisas são mutáveis. Com o tempo vai se mudando a conduta social. Sei é que falta inovação.
Folha - Também para a Globo?
Oliveira Sobrinho - Também.
Acho que estamos retornando a
coisas antigas. É preciso um esforço criativo. Sou contra a importação de formatos.
Folha - O sr. assistiu a "Big Brother Brasil", programa de formato
importado dirigido pelo seu filho?
Oliveira Sobrinho - Vi. Eu não
gosto do texto, dos atores. Há
uma situação de falsificação de
realidade. A separação entre ficção e realidade é muito tênue.
Se você entrevista um criminoso qualquer está abrindo um microfone para ele fazer apologia do
crime, fazer ameaças. Isso é gravíssimo. Quando você falsifica isso, é mais grave ainda porque você está ameaçando a sociedade
com uma ameaça inexistente.
Folha - Isso é desespero?
Oliveira Sobrinho - Exato. Porque a TV Globo tem hoje 50% da
audiência e 80% das verbas publicitárias. Sobram 20% para todas
as outras redes. De repente, para
conquistar alguns pontos de audiência e tentar vender esses pontos você fica sujeito a uma acrobacia criativa que vai acabar se dirigindo para o pior lugar.
Folha - Como reagir?
Oliveira Sobrinho - Não dá mais
tempo de montar uma outra TV
Globo. Então a maneira de enfrentar esse problema é através do
local, do regional.
Folha - É viável financeiramente?
Oliveira Sobrinho - Não sabemos. Mas é uma experiência pela
qual temos de passar. A tônica é
que nós temos um Brasil tão diversificado que há caminhos para
fazer esse tipo de televisão.
Folha - As concorrentes da Globo
deveriam deixar de ser redes?
Oliveira Sobrinho - Acho que pode ser rede nacional e respeitar a
programação local.
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