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A fotógrafa Nan Goldin conta como transforma intimidade em arte
Além do Éden
MICHEL GUERRIN
DO "LE MONDE"
A norte-americana Nan Goldin,
49, em seu apartamento parisiense, segura na mão um livro de
imagens que publicou sob o título
"Le Terrain de Jeu du Diable" (A
Quadra de Jogo do Diabo).
Na entrevista abaixo, a fotógrafa
conta como transformou seu diário íntimo em imagens artísticas.
Pergunta - Como situar esse livro
em sua obra?
Nan Goldin - Ele começa onde o
anterior terminou. É um diário
íntimo que levei adiante. É uma
sinfonia de alegrias e dores, ritmada por meu estado físico e
mental, pelos amigos mortos, por
outros que continuam aqui.
Pergunta - Essas pessoas fotografadas constituem sua família?
Goldin - Algumas imagens mostram a dificuldade de comunicação numa família que eu não escolhi. Em Nova York, no final dos
anos 70, encontrei uma comunidade de pessoas que tinham o hábito de se reunir. Não encontrei
essa família na França, onde me
sinto só. No livro eu mostro pessoas isoladas, casais autônomos.
A ligação entre as pessoas sou eu.
Fotografo-as no momento em
que estou próxima delas, quando
me tocam profundamente.
Pergunta - Seu compromisso estético parece ser o de fotografar
pessoas em momentos extremos.
Goldin - A base de meu trabalho
é mostrar o que não é dito nas relações. Aos oito anos, iniciei um
diário íntimo. Comecei a fazer fotos aos 15 anos, para enriquecer as
palavras. Meu diário escrito fala
só de mim, mas as fotos falam de
minha relação com o outro.
Pergunta - Você se sente próxima
dos álbuns de família?
Goldin - As pessoas escondem
numa gaveta as fotos íntimas, fotos de relações sexuais, e mostram
suas paisagens e sua felicidade
aparente. Faço o contrário. Mostro os casais fazendo amor. Muitos pintores já descreveram o orgasmo feminino, mas poucos fotógrafos o fizeram. Acho que também sou a primeira a mostrar
uma mulher espancada numa foto que será vista como arte.
Durante muito tempo, perguntei como traduzir minha relação
com a natureza. Até que um amigo me disse que meus temas vinham de outro planeta. As imagens se seguram porque, na outra
página, há fotos feitas num centro
de desintoxicação de dependentes de drogas. Está ali, é nu e cru.
Existe o Éden, e o que vem depois
dele.
Pergunta - Como é o livro?
Goldin - Cada capítulo diz o que
eu sinto e traduz uma ambivalência. Penso numa foto do World
Trade Center, logo antes dos atentados e após a morte de meu gato,
ou, ainda, na imagem de um céu
em chamas após o suicídio de
uma garota de 19 anos. E meus
amantes, as crianças, os hospitais,
a convivência com a Aids e há o
capítulo "Éden", em homenagem
a um filme de Robbe-Grillet.
Pergunta - Seu mundo interior é
uma resposta ao mundo externo?
Goldin - Sim. Aos cinco anos, ouvi o discurso "I have a dream" (Eu
tenho um sonho), de Martin Luther King. Aos 14, saí de casa. Participei de passeatas até a Casa
Branca, fiz oposição à guerra do
Vietnã, fui a Woodstock, participei de reuniões feministas.
Quando Bush foi eleito, deixei
os EUA e vim para a França.
Quando penso na política americana, sinto náusea. O livro é uma
maneira de lutar contra tudo o
que este mundo se tornou. É meu
mundo, o mundo em que vivo.
THE DEVIL'S PLAYGROUND ("Le
Terrain de Jeu du Diable"). De: Nan
Goldin. Editora: Phaidon Press Limited.
Quanto: R$ 413,42. Onde encontrar:
www.fnac.com.br.
Tradução Clara Allain
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