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Crítica/"Sócrates"
Rossellini exibe sua modéstia ambiciosa
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em 1971, o cinema italiano vivia seus momentos de maior glória. Os
discípulos e os contemporâneos de Roberto Rossellini, como Fellini e Visconti, rodavam
seus maiores filmes e alargavam os horizontes de sua arte.
Que fazia, nesse momento, Rossellini? Dedicava-se a desprezar o cinema, que se tornara
para ele mercadoria na sociedade do espetáculo. Dedicava-se também à TV, em que via a
possibilidade de desenvolver
uma arte liberta do comercialismo que tomara a indústria
cinematográfica. Dedicava-se,
em suma, a fazer filmes de uma
modéstia quase franciscana,
como este "Sócrates".
"Sócrates" não é um filme
entre outros de Rossellini. De
certo modo ele é Rossellini, e
boa parte dos diálogos em que
se envolve (no filme), assim como seu comportamento, parecem espelhar, de alguma maneira, o grande cineasta italiano: a modéstia e, simultaneamente, a ambição de buscar a
verdade, o desapego, o prazer
de falar aos concidadãos.
Não será por acaso que "Sócrates" começa e termina por
duas grandes derrotas de Atenas: a primeira, militar, frente a
Esparta; a segunda, a morte do
próprio Sócrates, acusado e julgado por outros atenienses.
Assim como o do filósofo, é
pedagógico o propósito de Rossellini: os louros do mundo talvez nos afastem mais da verdade do que qualquer outra coisa.
Beber cicuta, como Sócrates
fez, morrendo por envenenamento, talvez não seja, em certos casos, a pior opção.
Tudo isso, não nos enganemos, é uma pedagogia cinematográfica. Preferir o despojamento à riqueza, ficar com uma pequena produção que se domina em vez de uma grande
que não se pode controlar, optar pelo que se tem a dizer,
mesmo que com atores secundários fracos (já Jean Sylvère,
como Sócrates, é prodigioso),
tudo isso consiste em colocar a
verdade à frente.
Ou seja, trata-se de um filme
profundamente político, que
opta -desde seu modo de produção- por certos procedimentos e rejeita outros tantos.
Ora, o Sócrates de Rossellini
não é de outra natureza. Num
"extra" deste DVD, o professor
de filosofia Roberto Bolzani
afirma que Rossellini nos mostra um Sócrates político, isto é,
empenhado em investigar as
relações entre o intelectual e o
poder. Ao mesmo tempo, é de
um homem que não se afasta
por nada (nem pela morte) de
suas convicções que se trata.
Rossellini faz um filme respeitoso, bem diferente desses
cuja obtusidade reverencia os
sábios como se fossem de outra
espécie. "Sócrates" tem fluência, humor e os melhores diálogos de todos os tempos.
SÓCRATES
Distribuidora: Versátil Home Vídeo
Quanto: R$ 37,50 (em média)
Avaliação: ótimo
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