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FERREIRA GULLAR
Armaram barraco na Providência
O senador esteve lá, quando anunciou seu projeto e comemorou a boa nova com banquete
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SOLDADOS DO Exército prenderam três rapazes no morro da
Providência e, em lugar de encaminhá-los à autoridade policial, os
entregaram a uma quadrilha rival de
bandidos do morro da Mineira, que
os torturaram, quebraram-lhe pernas, fizeram-nos sangrar e finalmente os executaram com tiros na
cabeça. Os soldados teriam recebido, pela colaboração, R$ 20 mil por
cada uma das vítimas. Horror maior,
mesmo no Rio de Janeiro, é raro.
Mas o que faziam aqueles soldados
no morro da Providência?
Estavam ali como integrantes de
uma tropa do Exército, que executa,
juntamente com o Ministério das
Cidades, um projeto do senador
Marcelo Crivella, intitulado Cimento Social, que consiste em reformar
fachadas e tetos de 682 casas daquela favela. O senador, mesmo não
sendo do PT, conseguiu que o ministro das Cidades lhe disponibilizasse
R$ 12 milhões para a realização do
projeto e que o comandante do
Exército pusesse à sua disposição
uma tropa para garantir a execução
das obras numa comunidade infestada de bandidos armados.
Conforme informação da Secretaria Nacional de Habitação, esse é o
único projeto, em todo o país, que
junta aqueles dois ministérios na
consecução de uma obra social. É ter
muito prestígio, não acham vocês?
Quantos senadores, deputados e
mesmo prefeitos e governadores pelo Brasil afora não gostariam de contar com tal apoio para realizar projetos como esse, que tantos dividendos eleitorais devem render?
Agora uma pergunta de curioso: é
função de senador da República reformar casas em favelas? Pensei que
fosse atribuição de prefeitos, governadores, até mesmo do ministro das
Cidades. No entanto, quem aparece
como autor da benfeitoria é o senador Crivella que, vejam vocês, por
mera casualidade, é candidato à Prefeitura do Rio nas próximas eleições,
com o apoio de Lula.
Pois bem, em setembro do ano
passado, o senador esteve no morro
da Providência, quando anunciou
seu projeto aos moradores e comemorou a boa nova com um banquete. Não disse a ninguém que a execução das obras contaria com a garantia de uma tropa do Exército; disso
os moradores só souberam, em dezembro, quando as obras começaram e a tropa chegou.
Até a morte dos três rapazes, nenhum fato grave parece ter ocorrido,
mesmo porque, ao que tudo indica,
estabeleceu-se uma espécie de pacto
de não-agressão entre os traficantes
e os soldados, permitindo a estes tocar as obras e àqueles vender drogas
sem serem incomodados.
Os moradores do morro, revoltados com o bárbaro trucidamento
dos três rapazes, foram até o quartel-general do Exército expressar
sua indignação. A legalidade e a moralidade do projeto passaram a ser
questionadas no Congresso e na mídia. A juíza da 18ª. Vara Federal determinou que o Exército deixasse o
morro. Mas a Procuradoria da
União (a mando de Lula?) entrou
com um recurso contestando a ordem da juíza, que o Exército ignorou, alegando que a ação das tropas
limita-se a trabalhos de engenharia
e à segurança do canteiro de obras.
Mas isso foi posto em dúvida por
um documento confidencial do próprio Exército, divulgado pela imprensa, no qual fica evidente que os
soldados foram orientados a realizar
ações policiais, inclusive revistando
e prendendo suspeitos.
Essas informações punham em
má situação o comando do Exército
e o próprio governo, que sempre
afirmara não caber às Forças Armadas combater a criminalidade nem
fazer papel de polícia. De qualquer
modo, é função do Exército consertar telhados?
Foi então que o ministro Jobim
garantiu que a Constituição atribui
às Forças Armadas a defesa também
da lei e da ordem. Um sofisma. O parágrafo referido diz que as Forças
Armadas "destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer deles, da lei e da ordem". É no capítulo que trata da defesa do Estado como entidade nacional, razão
por que, quando se refere à defesa da
lei e da ordem, é nessa escala, e não
no âmbito estadual ou municipal.
Obviamente, não cabe ao Exército
intervir em arruaças na favela do Pára-Pedro ou policiar o morro da Providência, função do poder estadual e
sua polícia.
Deflagrada a crise, Lula não piou.
Alguém acredita que Crivella tem
poder para mobilizar, sozinho, dois
ministérios e o próprio Exército
num projeto indiscutivelmente eleitoreiro? Nada se faz no governo, sem
aprovação de Lula, especialmente
quando envolve eleições. Mas ele, de
"aloprados", quer distância. Por isso,
se a situação na Providência piorar,
o ex-bispo que se cuide.
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