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Almodóvar mais reflexivo surge em livro de entrevistas
Conversas com o jornalista Frédéric Strauss revelam harmonia entre o instintivo e o racional do diretor espanhol
Livro funciona como uma biografia alinhavada com a filmografia do cineasta; para autor, sexualidade nos filmes tem algo de filosófico
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988) foi o primeiro grande sucesso comercial e de crítica do diretor espanhol Pedro Almodóvar. O mundo do cinema era então apresentado a um cineasta cujas
marcas registradas eram a imaginação, a originalidade e as
tintas barrocas, na trama, nas
atuações, na direção de arte e
até no mesmo figurino.
Aparentemente tão espontâneo, o diretor se revela bem
mais reflexivo no recém-lançado "Conversas com Almodóvar", livro do francês Frédéric
Strauss. Jornalista, crítico de
cinema, ex-chefe de Redação
da conceituada revista francesa
"Cahiers du Cinéma", Strauss é
dono de um feito: ter conseguido, ao longo de cerca de 15 anos,
convencer Almodóvar a dar extensas entrevistas, algo a que é
normalmente avesso.
Strauss, que dividiu seu livro
por filmes e temas, disse que
inicialmente não esperava do
diretor uma reflexão mais profunda sobre o cinema ou sobre
sua obra. "Então me surpreendeu ver o nível de reflexão que
ele tem sobre seu próprio trabalho. Almodóvar realmente
sabe o que quer fazer; seu trabalho é muito pensado, refletido. O que não o impede de ser
muito espontâneo. Seus filmes
não são intelectuais ou cerebrais, mas vivos e generosos, há
um equilíbrio nele entre a inteligência e o instintivo, o espírito
e o corpo", diz Strauss.
O livro de Strauss pode ser
encarado como uma espécie de
biografia de Almodóvar contada por meio de seu cinema. O
jornalista diz que é possível encontrar, ao longo da carreira de
Almodóvar, toda sua trajetória.
"Podemos seguir a evolução
do homem. Por exemplo, nas
entrevistas que tivemos acerca
de "Volver", ele fala coisas sobre
o tempo que passa, sua experiência com a vida até então etc.
É sua própria trajetória como
um ser humano que está em jogo. O cinema de Almodóvar está cheio de marcas muito pessoais, uma mistura que é possível e harmoniosa", afirma.
Sexualidade
Essa é uma reflexão que o
próprio Almodóvar faz em suas
entrevistas. Em filmes como
"Má Educação" (2004) e "Volver" (2006), o cineasta conta
histórias muito próximas daquilo que ele mesmo vivenciou.
No primeiro, estão as questões
ligadas à sua educação religiosa. Já o segundo diz respeito
mais à região de onde ele vem.
Na linha do tempo traçada pela
filmografia de Almodóvar,
Strauss identifica uma mudança na maneira como o diretor
aborda a sexualidade, um de
seus temas mais caros.
"Nos primeiros filmes há
uma vontade de abordar coisas
que são tabus, de mostrar a sexualidade no centro das histórias, de maneira fantasiada e ao
mesmo tempo séria. À medida
que o tempo passa, no entanto,
vemos que a sexualidade se torna algo mais complexo, quase
filosófico. Caso de "Fale com
Ela", em que se trata do desejo
proibido. E, novamente, de um
tabu terrível, porque é o desejo
de fazer amor com uma mulher
que está em coma", diz Strauss.
Nos 15 anos de conversas
com Almodóvar, Strauss também percebeu mudanças na
personalidade do diretor. No
começo da década de 90, Almodóvar ainda refletia a grande
agitação cultural que a Espanha experimentava. E mais: o
diretor acabava de encontrar
sua independência com a produtora El Deseo.
"No começo da carreira, o
grande objetivo de Almodóvar
era fazer filmes e viver algo intenso. Mas, pouco a pouco, ele,
que sempre foi alguém com
paixão pelo cinema, passou a
ser um diretor que tem muito
mais controle das coisas e desejo de refletir sua prática do cinema. Sua ambição, hoje, é ser
um grande artista."
CONVERSAS COM ALMODÓVAR
Autor: Frédéric Strauss
Tradução: Sandra Monteiro e João de
Freire
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 44,90 (312 págs.)
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