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CRÍTICA
"O Aprendiz" ri do mundo do trabalho
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"Você está despedido"
(You're fired) virou o
bordão de sucesso do bilionário-apresentador Donald Trump. É
um mundo muito de pernas para
o ar este em que a frase temida
por 11 entre dez trabalhadores tenha se transformado em um dos
pontos altos do "reality show" "O
Aprendiz" (People+Arts).
"The Apprendice" -título original-, que superou as expectativas de audiência nos EUA e deve ter uma versão brasileira produzida pela Record, não é o primeiro nem o único programa de
TV que promete trabalho. No
fundo, além do rápido gosto da
fama e dos prêmios para os vencedores, arrumar um trabalho,
um bico, uma outra maneira de
ganhar a vida é a esperança de
muitos dos participantes dos
"reality shows".
Mas, em "O Aprendiz", o prêmio é, em si mesmo, o emprego,
mas um emprego de "sonho" e
fantasia, já no topo da cadeia corporativa norte-americana. A presença de Trump, um daqueles
homens de negócios emblemáticos que os EUA produz de quando em quando, a encarnação
mais perfeita do espírito capitalista, uma espécie de símbolo
ambulante de toda a promessa
de riqueza e poder advindos do
modo americano de viver e trabalhar, é o grande achado.
Trump, ao mesmo tempo personagem, apresentador e produtor, tanto cria o lastro de realidade sem o qual a fantasia do "reality" não engata, quanto funciona
como um poderoso elemento
paródico. Ele é um bilionário de
filme, de HQ, de TV -de ficção,
enfim. Seu império, ao contrário
dos bilhões discretos e cinza-monitor de Bill Gates, reluz. Tudo
acontece a partir de sua dourada
Trump Tower, edifício no centro
de Manhattan, ainda a vitrine do
capitalismo. Ele tem cassinos,
hotéis e resorts em cidades cheias
de néon como Atlantic City e Las
Vegas. Ostenta suas limusines,
jatos e acordos de divórcio cheios
de números. Sente-se como um
peixe dentro d'água na TV.
E, em "O Aprendiz", esse delírio de riqueza opulenta, ostensiva e dourada é a cenoura que
conduz os candidatos a se submeterem a uma encenação do
mundo hipercompetitivo do trabalho. É tanto mais empolgante
-ou revoltante- quanto mais
reforça seu caráter de encenação,
de gincana, de jogo de colegiais.
Sim, porque, na verdade o que
"O Aprendiz" quer dizer é que
aquilo tudo -a dureza, a crueldade, o estresse, a humilhação-
é fichinha perto do que, no fundo, o mundo corporativo exige
de seus trabalhadores.
É mais ou menos como um
"Banco Imobiliário" (cujo nome
em inglês, "Monopoly", é bem
mais eloqüente a respeito daquilo com o que se está brincando).
O jogo, que basicamente consiste
em fazer dinheiro circular com a
compra e venda de imóveis, foi
criado por um desempregado
em 1934, durante a Depressão.
Não é curioso que, num momento em que o mundo do trabalho
está se esfacelando, ele seja objeto de chacota?
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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