|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Antes do Circo"
Com erudição, Teixeira representa bem a geração pós-68
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Jerônimo Teixeira nasceu
no simbólico ano de
1968, o ano que, em termos culturais e políticos, funciona como um verdadeiro divisor de águas: pode-se falar
numa geração pós-68, com características muito próprias.
Geografia e história ajudam,
portanto, a compreender o perfil dessa geração. O Rio Grande
do Sul, onde Teixeira nasceu, é
terra de leitores (segundo estatísticas recentes trata-se do Estado em que mais se lê no Brasil) e de grandes escritores: Simões Lopes Neto, Érico Veríssimo, Augusto Meyer, Mario
Quintana, Dyonelio Machado,
Cyro Martins (cujo centenário
de nascimento ocorre neste
ano).
A obra desses autores era
marcada pelo regionalismo e
também pelo componente
ideológico, vários deles estando
ligados à esquerda comunista.
Mas o grupo de novos e talentosos autores, dos quais Jerônimo Teixeira faz parte, tem um
perfil diferente.
São pessoas cultas, com um
grande conhecimento de literatura (freqüentemente resultante de ligação com a universidade), muitas vezes trabalham
na mídia ou em profissões intelectuais. Testemunharam as
grandes mudanças ideológicas
das últimas décadas, a queda do
comunismo, a emergência do
fundamentalismo, a valorização do mercado e, compreensivelmente, são céticos em relação à política, principalmente a
política partidária do país.
Neste sentido, a coletânea de
contos que Jerônimo Teixeira
acaba de lançar, "Antes do Circo" (que se segue à novela "As
Horas Podres"), é absolutamente paradigmática, como o é
a trajetória do próprio autor.
Teixeira cursou letras, é mestre
em teoria literária pela PUC-RS e jornalista: trabalha na revista "Veja", justamente na seção de livros.
Todas as características de
geração estão presentes nas 11
histórias que compõem o livro.
Para começar, sua impressionante erudição está presente
nas epígrafes, tiradas de textos
de W. B. Yeats, Jorge Luis Borges, James Joyce, Joseph Conrad (mas também dos contemporâneos gaúchos Victor
Ramil e Eduardo Sterzi), bem
como nos próprios títulos: uma
das histórias chama-se
"Unheimlich", termo que
Freud popularizou e que significa estranho e familiar a um
tempo ("sinistro", prefere Sergio Paulo Rouanet).
Outro título é "Gigolo Ivre",
uma alusão ao "Bateau Ivre" de
Rimbaud. Ou seja: Teixeira escreve sobretudo para leitores
familiarizados com essas referências. De outra parte, porém,
os contos, cujo cenário freqüentemente é Porto Alegre,
têm muito a ver com as agruras
e os ciúmes da vida literária,
com o clima de cinismo e violência de nossa sociedade e
com a desilusão ideológica
("Melancólica Morte de um
Comunista" é, neste sentido,
exemplar).
Por último, mas não menos
importante, Jerônimo Teixeira
é um ótimo narrador. Tem um
grande domínio da forma literária, seus diálogos são vívidos,
inclusive quando envolvem
personagens da marginália. Estas qualidades fazem de seu
trabalho uma bela revelação literária. Vale a pena ler esses livros e acompanhar uma trajetória literária indiscutivelmente promissora.
ANTES DO CIRCO
Autor: Jerônimo Teixeira
Editora: Record
Quanto: R$ 28 (128 págs.)
Avaliação: bom
TRECHO
A covardia perde tudo o
que escrevo. Para cada palavra
há sempre uma palavra outra,
uma palavra maior, mas não
ouso, não posso. Por essa razão
nunca escrevi a história que
Ricardo Lise nos contou, de
madrugada, em algum grotão
escuro no interior do Paraná,
suponho, e à meia-voz para
não despertar os outros
passageiros. Sempre soube
que, se a registrasse, seria
apenas isso: um registro,
papel amarelado e atulhado
em uma pasta ou gaveta. Ou
menos que papel, um arquivo
eletrônico, História de
horror.doc, esquecido no
computador junto com uma
penca de outros contos
ordinários [...].
Extraído do conto "Unheimlich", do livro
"Antes do Circo", de Jerônimo Teixeira
Texto Anterior: "Diários" será lançado no ano que vem Próximo Texto: Rodapé literário: As nuvens no chão Índice
|