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Relançamento de "A Pedra do Reino" faz escritor parar mais uma vez obra iniciada em 1981
A epopéia sem fim de Suassuna
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL AO RECIFE
Criador de alguns dos mais cômicos personagens da literatura
brasileira e um confesso palhaço
frustrado, Ariano Suassuna, 76,
faz troça da demora em torno de
sua aguardada próxima obra.
"Já marquei tantas vezes que
não quero me desmoralizar
mais", diverte-se, ao evitar previsões sobre o lançamento do livro,
iniciado em 1981 e que reunirá em
vários volumes elementos de teatro, prosa, poesia e artes plásticas.
A mais nova pausa na execução
do "livrão", como ele se refere à
obra, tem uma causa nobilíssima:
o escritor paraibano vai revisar o
clássico "A Pedra do Reino", que
será relançado pela José Olympio.
Na quinta-feira retrasada, Suassuna recebeu a Folha em sua casa,
no Recife, e desvelou um pouco
do misterioso romance. Entre outras coisas, que um dos nomes do
protagonista será Antero Savedra,
claro tributo a um dos seus mestres, Miguel de Cervantes Saavedra, autor de "Dom Quixote".
O dramaturgo cedeu uma gravura inédita que estará na obra,
um retrato de sua mulher, Zélia.
Com a habitual eloquência,
Suassuna, que pediu para ser tratado por "você", falou por quase
duas horas. Fez uma defesa calorosa do governo Lula. Questionado sobre a gestão de Gilberto Gil,
resumiu-se a dizer que aconselhou o ministro a revalorizar a
cultura brasileira e que é possível
fazê-lo mesmo sem dinheiro
-citou o exemplo das aulas-espetáculo que criou quando secretário do governo Arraes (95-98).
Uma cena rara precedeu a entrevista: Suassuna trepou-se numa cadeira para tirar jambos de
seu quintal para uma jornalista da
TV Globo que foi à sua casa gravar o programa "Canto de Ariano", veiculado todo sábado no telejornal local da emissora.
Antes de iniciar a gravação,
Suassuna, um fanático torcedor
do Sport que dribla a família e vai
sozinho de táxi ao estádio da Ilha
do Retiro ver seu time, repetiu as
frases que diz toda semana para
testar o microfone de lapela: "Viva o povo brasileiro", "Viva o glorioso Sport Club do Recife".
Folha - Quando sai a reedição de
"A Pedra do Reino"?
Ariano Suassuna - Está muito dependendo de mim. A José Olympio até já mandou um exemplar
em xerox ampliado, para facilitar
meu trabalho. Já devia ter começado, mas não comecei. Quando
penso em parar o livro me dá um
desgosto... Para fazer um trabalho
mecânico, que é o de revisão.
Folha - Mas "A Pedra do Reino"
não estaria dentro do livrão?
Suassuna - É, estaria... Olhe, o livrão é muito grande, é muito
grande, e a "Pedra do Reino" só
iria entrar lá adiante. Aí eles fizeram esse apelo para reeditar, e eu
concordei. Porque vi que no livrão eu poderia botar só a continuação d'"A Pedra do Reino".
Folha - Você vai reescrever "A Pedra do Reino", como tem feito com
algumas obras recém-reeditadas?
Suassuna - Não, nesse eu não
quero mexer muito, não.
Folha - É uma obra sagrada?
Suassuna - Dos trabalhos mais
caros a mim, é o último. Quando
o escrevi já era um adulto.
Folha - Todos os seus livros estarão integralmente no livrão?
Suassuna - Houve um momento
em que pensei nisso, mas mudei o
plano. A mudança é que permitiu
a reedição d'""A Pedra do Reino".
Folha - Resolveu a primeira parte,
tida por você como a mais difícil?
Suassuna - Na minha cabeça está
resolvida. É uma espécie de rapsódia introdutória ao conjunto.
Ela vive por si só.
Folha - Quantos volumes serão?
Suassuna - Só posso decidir depois. Outra coisa que me atrapalhou muito foi que eu falo demais,
sou prolixo escrevendo. Aí decidi
dividir em vários romances curtos. Mas não estou conseguindo.
Só sai grande. Aí disse: sabe o que
mais? Isso não é problema meu, é
problema do editor e do leitor. Se
vou ter quem leia, não sei.
Folha - Mas você segue trabalhando nele? Tem idéia de...
Suassuna - ...De quando termino? Eu já marquei tantas vezes
que não quero me desmoralizar
mais. Em 8 de dezembro de 2002
eu iniciei a redação da primeira
parte, a última que falta. Pensei
que ali seria o fim, mas ficou como o começo, o começo do fim.
Folha - O narrador é Quaderna
(de "A Pedra do Reino")?
Suassuna - Não. Nos romances
havia a tradição, vinda da crítica
literária, de ter o protagonista e o
antagonista, são os dois personagens mais importantes. No "Auto
da Compadecida" o protagonista
é João Grilo, o antagonista é Chicó. Normalmente são pessoas de
temperamento oposto. Pois bem,
o protagonista é esse narrador, o
antagonista é Quaderna.
Folha - O que é que pode ser dito
sobre o narrador?
Suassuna - É um escritor frustrado que se torna encenador e ator.
Folha - Qual o nome dele?
Suassuna - Eu dou, vou dar, porque ele tem dois nomes, eu posso
dar um: Antero Savedra.
Folha - Você diz que escreve todos os dias. Também lê?
Suassuna - Muito. Sou um leitor
inveterado, desde muito menino.
E talvez goste mais ainda de reler.
Leio poucos autores muitas vezes.
Folha - O que tem lido?
Suassuna - Reli um livro de Dostoiévski, "Os Irmãos Karamazov", e estou relendo outro, "Os
Demônios". Reli as obras completas de Gogol em francês. De Tolstói reli uma novela da qual gosto
muito, "O Divino e o Humano".
Folha - Lê mais em qual língua?
Suassuna - Leio em português,
espanhol e francês.
Folha - E inglês?
Suassuna - Leio com dificuldade. O inglês comum dá para ler,
mas o inglês literário leio com certa dificuldade. E não gosto muito
de ler em inglês. Acho uma língua
muito bárbara, para mim não é
feita para a literatura, não. Faça a
exceção de Shakespeare, que eu
respeito e gosto muito.
Folha - Você nunca viajou para fora do Brasil. Por quê?
Suassuna - É por isso que sou
um viajante imaginário, como o
narrador do meu romance. Não
tenho que viajar, não. Conheço a
Rússia melhor do que muito russo, através simplesmente de Dostoiévski, Gogol e Tolstói.
Folha - Certa vez uns colegas queriam mandá-lo para a França...
Suassuna - Foi, foi. Eles conseguiram uma bolsa do governo
francês para eu estudar. Quando
já estava quase tudo preparado,
um deles disse: você tem que ir,
porque um escritor brasileiro não
conhece o Brasil se não fizer um
curso na Europa. Aí eu disse: pois
eu não vou mais, não. O gringo
que quiser me conhecer agora
tem que vir aqui, porque eu não
vou lá. Eu era muito jovem quando disse isso, e não é que não se
cumpriu, isso? Eu não fui lá e tem
gringo que vem por aí para falar
comigo. Esse orgulho eu tenho.
Folha - Existe algum país que você gostaria de conhecer?
Suassuna - Se Portugal e Espanha fossem ali em Alagoas, eu iria.
Mas são muito longe.
Folha - Qual a sua análise sobre o
primeiro ano do governo Lula?
Suassuna - Continuo muito satisfeito com o governo dele. Tem
uns impacientes por aí que estão
reclamando, mas querem que Lula resolva a injustiça social brasileira, que é secular. O que Lula fez
que já me deixou muito contente
foi devolver a altivez ao povo brasileiro, com atos como o apoio a
Hugo Chávez, por meio do qual
conseguiu se manter um governo
legitimamente eleito. Segundo, o
fato de ele recusar apoio do Brasil
à invasão do Iraque. Terceiro, ele
falou com o presidente dos EUA
em português e disse "eu falei na
língua de 170 milhões de brasileiros". E outra: já estava preparada
a entrega [aos EUA] da base de
Alcântara quando ele cortou.
Folha - E o fato de, no governo, o
PT adotar práticas que condenava?
Suassuna - A meu ver ele não tinha outro caminho. Fora disso aí
é preciso fazer uma revolução armada no país. Não é fácil. É porque vocês são muito novos. Eu conheço esse problema desde Getúlio. Getúlio tentou muito menos
do que se espera de Lula e foi forçado a dar um tiro no peito.
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