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Crítica blu-ray Aos 70, 'Cidadão Kane' merece ser redescoberto Edição especial convida a contemplar o clássico de Orson Welles para além dos excessos de análises reverentes CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHA No ano em que se completam sete décadas de seu lançamento, o hiperclássico "Cidadão Kane" ganha uma edição em Blu-ray que restaura os contrastes da esplendorosa fotografia em preto e branco, além do som remasterizado para ribombar em cada canto dos "home theaters". A versão brasileira vem sem parte dos bônus da americana lançada em setembro, como o documentário "A Batalha por Cidadão Kane", que integrava o DVD duplo. Resta saber se a alta definição de imagem e som pode devolver algo que perdemos: o prazer de descobrir ou redescobri-lo sem se deixar impressionar pela posição oficial de "melhor filme de todos os tempos", conquistada e mantida há quase 50 anos. O excesso de interpretações adensou os sentidos, promoveu paradigmas de análise e culminou na transformação de "Cidadão Kane" no equivalente cinematográfico da Mona Lisa. Todo o mundo o respeita como o ápice do cânone. O que tornou quase impossível alguém se interessar pela petulante estreia de Orson Welles, aos 25 anos, na indústria do cinema sem confundir atenção com reverência. No entanto, sob a pátina acumulada pelo tempo e o verniz sobreposto pelas centenas de teses e teorias, a obra desapareceu. Com o deslocamento para as camadas de discurso a respeito do filme, perdemos a capacidade de enxergar suas invenções, sem perceber que elas se incorporaram às audácias que o sucederam. Enquanto as novidades técnicas foram assimiladas e ultrapassadas por décadas de contínua reinvenção, a obscuridade de Charles Foster Kane, simbolizada na enigmática palavra "Rosebud", integrou-se ao código genético da ficção audiovisual que mais cultuamos, de "O Poderoso Chefão" a "Ilha do Medo", de Laura Palmer a Tony Soprano. Personagens opacos cuja integridade não se completa, anti-heróis movidos por ambiguidades, narrativas montadas a partir de fragmentos ou cheias de guinadas angulosas são aspectos da indeterminação moderna muito mais populares e fáceis de assimilar hoje do que poderiam ter sido em 1941. Então, em vez de ler antes as chamadas impressas na embalagem ou folhear o livreto que acompanha a edição em Blu-ray, é melhor apertar o play da máquina do tempo e cair no instante em que começa a revolução. - Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros |
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