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Crítica - Suspense
Ambiguidade é trunfo de longa baseado em obra de Saramago
'O Homem Duplicado' mistura caráter realista com aparições fantásticas
Da origem ao resultado final, "O Homem Duplicado" é uma obra estranha, de difícil classificação. Baseado no livro homônimo do português José Saramago, de 2002, o filme foi dirigido pelo canadense Denis Villeneuve, de "Incêndios" (2010).
Ao revisitar o conceito do "doppelgänger", do ser que replica outro, o filme lembra um híbrido entre o realismo poético de "A Dupla Vida de Véronique"(1991), de Krzysztof Kie?lowski, e o onirismo opressivo de "Gêmeos - Mórbida Semelhança" (1988), de David Cronenberg.
Na trama, um introspectivo e atormentado professor de história (Jake Gyllenhaal) descobre a existência de um sósia perfeito, um ator (também interpretado por Jake Gyllenhaal), ao assistir a um filme banal.
Decide ir atrás de seu duplo e conhece um homem em tudo diferente dele, extrovertido e narcisista --com exceção, claro, do físico.
A partir do encontro, as vidas dos dois passam a se embaralhar, incluindo aí a namorada do professor e a mulher grávida do ator.
Em meio à trama quase sempre realista, há aparições fantásticas, surreais, de aranhas gigantes que lembram as criadas pela artista francesa Louise Bourgeois.
O filme nunca se define entre a questão psicológica da perda/troca de identidade e o suspense criado pela situação; entre o entretenimento e o existencialismo.
Mas, de certa forma, essa indefinição, essa ambiguidade, ajuda o filme a preservar o enigma do personagem duplo, a se destacar da média.
Como Saramago diz no livro e Villeneuve replica no filme, "o caos é uma ordem por decifrar" --e "O Homem Duplicado" tem a sabedoria de não facilitar a tarefa.
Ainda que não satisfaça plenamente, o filme fica na memória, sobretudo sua última e inesperada imagem.