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Gregorio Duvivier
Demente
Passei a torcer como um demente. Se o Brasil perdesse, seria uma vergonha pra mim. Mas o Brasil ganhou
Não queríamos saber de Copa. Durante o primeiro jogo do Brasil, estávamos dentro de um avião. Sequer perguntamos o resultado quando chegamos. Alguém comentou: Brasil ganhou de 3 a 1. Olha, legal. Neymar fez dois? Olha, legal. E foi isso.
No segundo jogo, não encontramos nenhum lugar legal pra assistir. Todos os bares estavam ou muito vazios, ou muito cheios. Escolhemos um bem vazio. E saímos do zero a zero com aquele clima de zero a zero. Tudo isso pra isso? disse a Clarice. Tudo isso era pra isso. Mas eles jogaram com raça. Olha, legal.
No terceiro jogo, encontramos um lugar animado. De um lado do bar, torciam para o Brasil ganhar do Camarões. Do outro, para o México ganhar da Croácia. Conheci um mineiro gente boa. Senti uma coisa estranhíssima que alguns chamam de estupidez, outros chamam de amor à camisa. Pelo menos umas duas vezes me flagrei berrando como um animal. Ganhamos o jogo. O México também. Voltamos pra casa com a estranha impressão de que aqueles gritos talvez tivessem contribuído pra alguma coisa --mas não sem uma certa vergonha por ter berrado.
No jogo do Chile, estávamos em Creta. Estranhamente, não havia nenhum brasileiro à nossa volta --até então, sempre encontramos conterrâneos em frente à telinha. O bar estava cheio mas, sobretudo, e sei lá porquê, de americanos. Todos eles, sei lá porquê, torcendo contra o Brasil. "Nós somos os Estados Unidos do futebol", Clarice teorizou, com razão. "E as pessoas torcem pelo mais fraco." Aquela torcida me deu um ódio irracional. "Vocês nem sabem o que é futebol. Isso é importante pra gente."
Um deles odiava especialmente o Neymar e dizia repetidamente: "you arrogant piece of cunt". Perguntei a Clarice o que era cunt. Clarice disse que era o órgão sexual feminino, e era um xingamento terrível --o que aliás denota um machismo doentio. Tem algo de muito errado com uma pessoa que xinga o outro de buceta arrogante --e com alguém que xinga o Neymar. Aquilo me deu engulhos como se alguém estivesse xingando meu filho.
Passei a torcer como um demente. Se o Brasil perdesse, seria uma vergonha pra mim e pra Clarice que a essa altura estava torcendo ainda mais demente que eu. Mas o Brasil ganhou. E foi uma vergonha ainda maior. Virei pra trás e comecei a gritar, em português mesmo: "Isso aqui é Brasil, porra!" Clarice teve que me segurar. "Calma, Gregorio." Vergonha. Pagamos a conta e saímos de cabeça baixa.
No último jogo, já era um demente profissional --com mandingas, simpatias e berros de perder a voz. A contusão de Neymar teve dimensões trágicas. Como continuar o espetáculo sem protagonista? Se dermos a volta por cima --vamos dar-- vou berrar por doze horas. Se não dermos, vou berrar por 128 horas. Se encontrarem um imbecil abraçado numa bandeira berrando coisas desconexas, esse cara sou eu. Desculpem.