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Mauricio Stycer
Muito além do drama
Exagerada e fora do tom, cobertura da Globo na Copa transformou partida de futebol em novela mexicana
Conversando com Sérgio Rodrigues, autor do elogiado "O Drible" (Companhia das Letras), a respeito das dificuldades envolvidas no processo de escrever ficção sobre o universo do futebol, ele observou:
"Qualquer esporte é difícil de ser tratado pela literatura. O esporte é uma narrativa pronta, com vitórias, derrotas e dramas. Os personagens reais já têm estatura de mito. Isso torna difícil o trabalho do escritor".
Recorro ao comentário de Rodrigues para refletir sobre um dos aspectos que mais me incomodaram na cobertura da Copa do Mundo realizada pelas emissoras de televisão: a necessidade de enfatizar dramas que, naturalmente, já são carregados de todo tipo de emoção.
Veja, por exemplo, o caso da partida entre Brasil e Chile. Teve bola no travessão brasileiro no último minuto da prorrogação, decisão nos pênaltis, consagração do goleiro Júlio César, choro dos jogadores brasileiros"¦ Foram tantos os elementos dramáticos que muita gente se emocionou ao final da partida --para não falar do espectador que teve um infarto no estádio.
O que veio em seguida foi espantoso. A Globo, mas não só ela, transformou o relato dessa odisseia numa novela mexicana. Por dois dias, os programas jornalísticos e de entretenimento da emissora exploraram os diferentes aspectos da partida, sublinhando indefinidamente o que havia de mais meloso na história. Quem não ficou tenso ou chorou durante o jogo foi praticamente obrigado a se emocionar nos dias seguintes.
A fratura sofrida por Neymar na partida contra a Colômbia também mereceu um tratamento muito além do razoável. Galvão Bueno, âncora do "Jornal Nacional" durante a Copa, deu o tom ao assumir como fato --e não suspeita-- que o jogador colombiano Zuñiga foi "covarde" no lance. Outros repórteres do telejornal adotaram o mesmo procedimento, compreensível apenas em uma mesa de bar.
Patrícia Poeta escolheu o seu olhar mais sério e as seguintes palavras para abrir o telejornal de quarta-feira: "A dor da nossa derrota é agravada por nossos rivais". Entendeu? Falando como uma torcedora, a apresentadora informou desse jeito que a Argentina havia se classificado para a final da Copa do Mundo.
Neste mesmo dia, mas pela manhã, a repórter Fernanda Gentil enxugou as lágrimas ao falar com Fátima Bernardes. Durante todo o Mundial, a jornalista foi responsável por boletins otimistas e empolgados sobre a seleção em vários programas da emissora e, como seria de se esperar, não conseguiu conter a emoção depois do 7 a 1. Chorou ao vivo.
Falo mais da Globo porque, como detentora dos direitos de transmissão da Copa, a emissora foi a que mais investiu no assunto na TV. Mas os demais canais seguiram nesta mesma toada, buscando fisgar o espectador sem sutileza alguma.
Curiosamente, o episódio mais dramático da Copa, o desastre do Brasil diante da Alemanha, mereceu uma cobertura contida da Globo. A emissora desmontou o seu estúdio ao ar livre, junto da seleção, mandando Patrícia Poeta de volta para o estúdio, e tratou com bastante respeito os jogadores que protagonizaram o vexame. Apenas Felipão, até então louvado como um gênio da estirpe de Einstein, mereceu críticas de Galvão Bueno. Chegou a soar como ingratidão.