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Análise
Para ela, cabia à ficção iluminar labirinto da experiência humana
O fim do apartheid não moveu sua bússola literária. Continuou ficcionalizando as injustiças de seu país e da áfrica
À primeira vista, Nadine Gordimer impressionava por sua pequenez. Contribuíam para isso os pesados xales multicoloridos que trazia nas costas, de espessura incompatível com o tempo ameno daquele julho em Paraty.
Voz alquebrada e baixinha, cabelos brancos puxados para trás, num quase coque, óculos de aros finos, tinha ar de animalzinho indefeso.
E era todo o contrário.
"Qualquer escritor que tenha um mínimo de valor espera propiciar um brilho tênue para iluminar o belo e sangrento labirinto da experiência humana", disse ela, logo de cara, na Flip.
Era 2007 e, aos 84 anos, a sul-africana havia cruzado o Atlântico Sul para participar do festival literário local.
No painel "Panteras no Porão", que dividiu com o israelense Amós Oz, não demorou para exibir suas garras. Tinha longa trajetória nisso.
Gordimer crescera falando inglês numa cidadezinha onde a elite se expressava em africâner, era a judia na comunidade católica, a mulher branca cercada pelos homens negros que trabalhavam em minas de ouro da região.
Destes contrastes, e, mais, de sua indignação empertigada com o regime do apartheid, que se alimentava quase toda a sua ficção, com destaque para romances como "O Pessoal de July" (1981) e "A Filha de Burger" (1979).
O fim do apartheid não moveu sua bússola literária. Continuou ficcionalizando as injustiças de seu país e as do continente africano.
Em entrevista inédita à Folha, em fevereiro de 2013, já chegando aos 90, Gordimer estava vivamente indignada com uma lei prestes a ser aprovada na África do Sul, que limitaria a ação da imprensa local. "Querem nos proibir de saber sobre a corrupção", disse ela, em tom exaltado. Ela experimentara a censura: teve três livros banidos durante o apartheid.
Nelson Mandela, de quem veio a ser amiga --tomavam café da manhã uma vez por mês--, foi um dos mentores da vencedora do Nobel de 91.
Na ficção, celebrava autores como Bertolt Brecht e Albert Camus. "Como diz Camus, se você é escritor e não tem responsabilidades com as pessoas comuns, deve deixar de ser escritor. O único cuidado a ser tomado é que estas lutas não te impeçam de seguir criando e de explorar, pela ficção, todas as dimensões da vida", disse a pequena voz, antes de desligar.