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Crítica romance Escritor irrita pela complacência com que dilui o universo dos personagens ALFREDO MONTEESPECIAL PARA A FOLHA Ao estrear no romance com "A fúria do Corpo" (1981) João Gilberto Noll escolheu uma poética do grito, do excesso, o périplo narrativo exuberante e abundante. Qual não foi a surpresa com sua experiência seguinte no gênero: era também o registro de errâncias desconcertantes, mas numa linguagem quase mesquinha, de extrema contenção: "Bandoleiros" (1985). Esse curto relato agônico imprimiria a marca de uma série que, com justiça, inscreve-se entre as mais altas experiências da ficção contemporânea: "Rastros de Verão", "Hotel Atlântico" e "Harmada". Em 2008, após uma década meio "esquisita" para a realização literária (Lorde, Berkeley em Bellagio, admirados por uns; vistos com reserva por outros, entre os quais me incluo), surgiu o surpreendente "Acenos e Afagos". As errâncias eram aquelas mesmas, desconcertantes na sua descontinuidade e no seu "realismo demencial"; no entanto parecia que, rendendo-se novamente ao excesso, ao transbordante, Noll arejava sua prosa e suas obsessões. Surge então "Solidão Continental". Vendo o magro volume, pensei: será que cumprirá o papel de "Bandoleiros" com relação a "Acenos e Afagos", trazendo mais concentrada a viragem do livro anterior, instaurando nova fase?
Infelizmente, não. Longe de ser o passo adiante num novo caminho, "Solidão Continental" é um brutal retrocesso. Como leitor habitual de Noll, tive a sensação de ser o funcionário de fábrica batendo o ponto e chafurdando na rotina entorpecedora. Eis o eterno garoto que transa e não transa, aparece e desaparece, é anjo de vida e de morte (sempre há um hospital no meio do caminho) ao mesmo tempo, e que no final, não é nada, apenas uma figura de passagem, recortada de um fundo fuliginoso devido a um esboço de desejo. É óbvio que um escritor da tarimba e do gabarito de Noll proporciona ao seu leitor, mesmo num texto insatisfatório e chocho como esse, bons momentos, aquelas frases lapidares que tanto se prestam à citação, em meio a essa eterna disponibilidade viscosa, a essa gratuidade do episódico, a esse eterno anticlímax (que já foi instigante, e agora é apenas entediante). No melhor da sua produção, o escritor gaúcho pegava o leitor de jeito com a contundência desse mundo descampado dentro do coração dos seus protagonistas. Agora, ele irrita por conta da complacência com que o dilui. ALFREDO MONTE é doutor em teoria literária pela USP e criador do MONTE DE LEITURAS (www.armonte.wordpress.com)
SOLIDÃO CONTINENTAL |
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