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'Detropia' revela impacto da crise econômica em Detroit

Filme evidencia como ruína da indústria do carro fez cidade rever vocação

Documentário de Rachel Grady e Heidi Ewing aponta ocupação por artistas como uma promessa pós-colapso

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON

Na inserção comercial mais assistida da TV dos EUA neste ano, a final do futebol americano, o ator e diretor Clint Eastwood anunciou, em nome de uma montadora de carros, que o país estava pronto para se levantar da crise, e Detroit mostraria o caminho.

Visto por milhões e comentado ao longo de semanas, o comercial falava aos brios da população americana sobre o lugar que ainda é o coração da combalida indústria automotiva dos EUA, e cuja história estofa a identidade nacional e o recorrente mito de que se fortalece a cada queda.

Pois as imagens de abandono, sujeira, mato crescido e expectativas minguadas registradas pelas diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady no documentário "Detropia", que arrebatou a crítica do país, são bem menos edificantes do que aquelas exibidas no tal comercial de carros.

Não por isso são menos comoventes ou esperançosas.

Só que a Detroit utópica das diretoras, diferentemente da descrita por Clint, não tenta apenas se reerguer de sucessivas pancadas -a mais recente delas, na megacrise econômica de 2008.

Em "Detropia", há uma cidade que, após o colapso, revê sua vocação.

Para Ewing e Grady, as três grandes montadoras em torno das quais Detroit cresceu e virou um dos maiores polos industriais dos EUA (Chrysler, Ford e GM) não são mais a salvação. Elas são um espelho deprimente da ruína.

Na versão da dupla, demitem, encolhem-se, reduzem salários e se tornam camicases, vendendo veículos espetacularmente mais caros que os rivais asiáticos.

"Eu gostaria que esses carros vendessem bem, porque eles são fabricados na mesma rua do meu restaurante", diz um dos personagens, um dono de bar que se viu forçado a ir para a cozinha diante da perda de clientela.

"Mas a US$ 40 mil [R$ 81,2 mil], não é muita gente que vai pensar que eles valem mais a pena do que um chinês similar de US$ 20 mil."

RUÍNA

As câmeras de Ewing e Grady já trouxeram ao mundo o sensacional "Jesus Camp" (2006), sobre um acampamento que treina crianças com dogmas evangélicos.

Desta vez, registram assembleias sindicais que terminam com fábricas de autopeças fechadas porque os funcionários não aceitam ter o salário cortado.

Expõem moradores que, desocupados, passam o dia lembrando a riqueza do passado. Revela reuniões da Prefeitura que buscam solução ao cada vez mais vazio terreno da cidade.

E mostra muitos, muitos prédios abandonados.

MAIORIA NEGRA

A cidade, no norte dos EUA, é uma das poucas majoritariamente negras do país (82,7%, ante 7,8% de brancos), produto das grandes migrações do Sul, atraídas na primeira metade do século passado pela enorme oferta de emprego. De 1920 e 1950, sua população dobrou.

Mas vários golpes vieram. Primeiro, a concorrência das montadoras japonesas (e agora das chinesas).

Depois, a disputa com regiões do sul do país e o México, cujos salários menores e a base sindical quase nula atraíram a concorrência transnacional.

Por fim, em 2008, a crise do crédito. Foi quando a injeção de dinheiro pelo governo de Barack Obama impediu as montadoras de falirem mas não lhes devolveu totalmente o fôlego.

A cidade que chegou a 1,8 milhão de habitantes em 1950, segundo o Censo, encolheu para 706 mil, com um tombo de 25% só nos últimos dez anos.

Entre quem ficou, 34,5% estavam sob a linha de pobreza americana em 2011, contra a média nacional de 13,8%.

A renda per capita anual está 45% abaixo da do país, e o desemprego é de 12,4%, contra 7,8% nos EUA.

A linha de esperança oferecida pelas diretoras está justamente nesse vazio.

Em meio ao mato que cresce ao lado de ferros-velhos, os prédios desabitados começam a receber novos moradores vindos de outras regiões dos EUA e do mundo, atraídos por preços 60% abaixo do mercado e por uma infraestrutura do porte da metrópole que Detroit um dia foi.

São jovens, artistas e estudantes que começam, devagar, a mudar a cara da "Motor City". Eles trazem cor à paisagem ferrosa e substituem o barulho das máquinas por música.

Documentado por Ewing e Grady, esse pós-apocalipse pode ser promissor.

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