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Crítica Poesia
Antologia reafirma veia inflamável de Bukowski
Tradução divulga no país principal forma de expressão do americano
Charles Bukowski (1920-1994) ficou mais conhecido no Brasil pela ficção, mas aos poucos sua relevante face de poeta vai sendo restabelecida, graças também às traduções de Fernando Koproski.
"Amor é Tudo que Nós Dissemos que Não Era" é a segunda antologia organizada por ele, tão abrangente quanto a primeira, "Essa Loucura Roubada que Não Desejo a Ninguém a Não Ser a Mim Mesmo Amém", de 2005.
O "velho Buk" é dos escritores cuja lenda sobrepuja a obra. Mas, quando se passa aos textos, não há ceticismo: a poesia tem duende.
A matéria-prima é o dia a dia, minúcias do trabalho duro que rouba horas de vida e a literatura que a salva do automatismo da existência.
Dividido em seções que abordam o amor, a cidade de Los Angeles e o que se poderia chamar de relacionamentos -mulheres, escritores, leituras, bebida, o corpo e o mundo-, o livro mostra a franqueza punk das observações do poeta: a bunda da garota paquerada de relance na escada rolante é motivo para desvelar ao namorado dela a sorte que lhe espera, "daquele balde aquecido de/ intestino,/ bexiga,/ rins,/ pulmões,/ sal,/ enxofre,/ gás carbônico/ e/ catarro". Quanta sorte.
Bukowski começou a escrever poesia aos 35 anos. As dezenas de antologias que publicou colocam-na como veio principal de sua expressão, acercando-o de Raymond Carver, outro que usou o bar para observar o comportamento alheio.
Como se sabe, grande parte do álcool é glicose e, no caso de Bukowski, é altamente inflamável no que tange ao amor romântico e a quem por ele é tangido. E poesia é aquilo que nem sempre costuma acontecer; porém, no caso dele, pega fogo o tempo todo.
JOCA REINERS TERRON é autor de "Do Fundo do Poço se Vê a Lua" (Companhia das Letras), entre outros.