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Crítica conto
História começa bem, mas derrapa com tipos bidimensionais e domesticados
NELSON DE OLIVEIRA ESPECIAL PARA A FOLHAA teoria estética gosta de frisar que existem correspondências estruturais entre as artes e a literatura. São chamadas de "correspondências intersemióticas".
Na prática, elas aparecem, por exemplo, quando comparamos um poema e uma pintura ou uma peça musical do barroco, do romantismo etc., e percebemos que para certos procedimentos poéticos existem procedimentos pictóricos ou musicais análogos.
Então, quando vem à luz, digamos, uma coletânea de poemas de um mestre das artes plásticas, o que mais se espera, o maior desejo do leitor, é que a mesma potência de sua obra pictórica esteja presente no trabalho literário.
É o que mais se espera agora, com a publicação de "Iaba", conto de Carybé.
Sendo assim, é bom que seja dito sem rodeios: o Carybé pintor, gravurista e desenhista que todos admiram não está integralmente presente no Carybé contista. Da mesma forma que o mestre das artes plásticas Candido Portinari está muito distante do Portinari poeta.
No conto de Carybé, Iaba, uma diabólica mulher fatal, surge para seduzir Antonio e arruinar a sua vida. O problema é que a diaba está gostando demais de ser mulher.
O conto começa bem, com um vocabulário colorido e uma sucessão malandra de personagens e mandingas.
Nas primeiras páginas, o sobrenatural invade com alegria e humor o cotidiano. Essa ação inicial lembra muito os óleos e as serigrafias de Carybé, retratando cenas da Bahia sensual, povoada de tipos pitorescos e luminosos.
Mas logo a narrativa vai perdendo a força, talvez por se concentrar em apenas dois personagens bidimensionais, quando o forte de Carybé sempre foi a multidão.
Devagar, o elemento sobrenatural também é reduzido a zero. O vocabulário e as expressões populares, mais jocosos, dão lugar a uma linguagem bem-comportada, convencional.
A tensão inicial é pacificada e os protagonistas, Antonio e Iaba, agora domesticados, quase desaparecem.
Quem passa a prender o interesse são os três coadjuvantes atrapalhados: um papagaio e dois porcos, todos do mal, acompanhantes da diaba. Pena que, bem antes do final, até esse trio sai de cena: são comidos.