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Um gosto de podre na boca ANDRÉ SANT'ANNA E ela chama isso de "fazer amor". Já eu acho meio nojento. A começar pelo teatro. A cena do supermercado é obrigatória. A gente lá, pelos corredores, entre as prateleiras, escolhendo produtos especiais para uma noite especial: - Vamos levar essa mostarda da Alsácia? Pega pra mim aquele vinho branco alemão. Olha só, Amor, o queijo que você adora! Alguém tem ideia do gosto do beijo dela, depois do queijo que nós adoramos, do vinho branco doce e do boquete que ela faz questão de pagar em noites especiais? Aí tem a cena da cozinha. Tudo teatro. Teatro não -comercial de molho de tomate. O casal sorridente, cortando pimentão, temperando frango. Então, ela começa a se esfregar. Fica encostando aquele bundão em mim, sempre fingindo naturalidade. Não sei quem inventou que sexo é coisa espontânea. Quem faz sexo espontâneo é cachorro vira-lata. E é assim que me sinto: um vira-lata sarnento -o cheiro da cebola, do alho, do suor azedo que encharca meu sovaco nessas horas. Silêncios constrangedores. Nós dois pensando em sexo, fingindo que aquele frango cru, ensebado, é a coisa mais importante da noite. Só que o frango, depois de assado e coberto por especiarias de "Primeiro Mundo" (quando quer elogiar algo, ela diz que é "coisa de Primeiro Mundo") fica até bonito, cheiroso. A nossa alma é que vai ficando fedorenta. E ela lá, com o bundão espontâneo, se esfregando espontaneamente no meu pau. Quer saber? Não gosto de intimidade com quem já sou íntimo. Ela não aguenta o silêncio por muito e tempo e tem de falar alguma coisa. Qualquer coisa: - Às vezes tenho a impressão que mal conheço você. Que merda é essa? A gente já se conhece há mais de dez anos, já fez sexo em todas as poses pornográficas e ela ainda me envolve nessa conversa nada espontânea só porque não aguenta um silêncio de cinco minutos. Sou obrigado a responder qualquer coisa: - Você me conhece melhor do que qualquer pessoa. E pronto. Até poderíamos calar a boca por mais alguns minutos. Mas não. Ela tem que falar, assim, de repente: - Faça amor comigo. Porra, mas a gente ainda nem jantou! E eu? Sabe o que eu digo? - Boa menina. E ela: - Beije-me daqui até aqui. O "aqui" dela é lá. O gosto na boca dura uns três dias. O queijo, o boquete, o vinho branco adocicado -ela é metida a chique, mas bebe "Liebfräumilch"- e, pra completar, o gosto que vem das entranhas dela. Dos infernos! E os barulhos do sexo oral? Tanto os que eu faço, quanto os que ela faz: - Sssscccchluuuuuuuurrrrrrrrpppppfffffnnnnnnnssssplussssh! Mas também não posso reclamar muito. Participo do teatrinho que nem um ator de filme pornográfico. Peço a ela que implore pelo meu "Bimbim" - o apelido carinhoso que deu para o meu pênis. Sabe como eu chamo ela na hora do sexo? - Baby! Ai, que vergonha! O cúmulo da simulação é quando ela tira a boca do meu pau e me empurra pra cama, simulando uma excitação bem maior do que a verdadeira. Outro dia, ela falou que eu era "hot". "Hot", eu? Não dá para trepar sem dizer nada? Não. Não dá. Ela tem que ouvir e falar palavras como "Bimbim", "baby" e "hot". Eu a chupo. Ela me chupa. Eu coloco meu órgão sexual dentro do órgão sexual dela. Ela fala: - Mais rápido, Christian, mais rápido... por favor. Eu digo a ela: - Goze, baby. Goze para mim. Eu gozo. Ela finge que goza. Depois, o que sobra é esta sensação de ridículo, este gosto azedo na boca, este cheiro de ovo impregnado nas narinas. E ela chama isso de "fazer amor". Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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