São Paulo, domingo, 06 de fevereiro de 2011

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Folha e WikiLeaks: como se estabeleceu o contato

FERNANDO RODRIGUES

EM MEADOS DE NOVEMBRO do ano passado, recebi recados por e-mail e pelo Facebook. A jornalista Natalia Viana queria fazer um contato. "É algo muito importante", escreveu. Sugeria necessidade de sigilo. Em outra mensagem, falou que o assunto se relacionava ao "pessoal" de Londres e ao jornalista britânico Gavin MacFayden. Entendi na hora.
Conheci MacFadyen há alguns anos. Participamos de reuniões internacionais, desde 2003, para criar a Global Investigative Journalism Network (em português, Rede Global de Jornalismo Investigativo, bit.ly/xAQ5w).
Os pontos se juntaram. MacFadyen já havia me dito ser amigo de Julian Assange, o criador do WikiLeaks. Em uma das oportunidades em que Assange foi procurado pela polícia, MacFadyen escondeu-o em seu apartamento, em Londres. Parecia óbvio que o assunto era relacionado ao WikiLeaks -a mídia internacional estava inundada de informações sobre os próximos vazamentos.
A Folha se beneficiou de uma percepção tardia de Julian Assange. Depois de ter firmado um acordo de exclusividade com cinco publicações -os jornais "The New York Times", "The Guardian", "Le Monde", "El País" e a revista "Der Spiegel"-, decidiu divulgar de forma regionalizada os telegramas confidenciais e secretos do Departamento de Estado dos EUA.
Na avaliação de Assange, os meios de comunicação acima do Equador dariam pouco destaque a eventos relacionados a países como o Brasil. Mas havia um problema na nova estratégia: o WikiLeaks se comprometera com as publicações citadas. Se repassasse o material para a Folha, estaria descumprindo um trato.
A solução foi negociar por partes. Escolheu-se um lote de telegramas de interesse do público brasileiro. As publicações contatadas pelo WikiLeaks foram informadas que a organização divulgaria esses documentos em seu site em determinada data, com textos contextualizando o assunto.
Foi assim que a Folha recebeu antecipadamente os telegramas usados na reportagem "Brasil disfarçou luta antiterror, dizem EUA", publicada em 29 de novembro de 2010. O jornal foi o sexto órgão de imprensa no planeta a ter acesso aos dados com exclusividade. O acordo durou pouco mais de uma semana, com a Folha recebendo com antecedência os telegramas para fazer a apuração necessária. Havia uma troca frenética de e-mails antes da decisão sobre quais telegramas seriam liberados e quando poderiam ser publicados.
Durante a negociação para que a Folha recebesse os telegramas, a jornalista Natalia Viana, intermediária no Brasil, evitava escrever "WikiLeaks" em suas mensagens. Era sempre "a organização".
Achei curioso. O procedimento seria para evitar que os e-mails fossem rastreados pelo seu conteúdo. Não me pareceu muito eficaz. No Brasil, qualquer um poderia grampear meu telefone com muita facilidade -e eu só falava de WikiLeaks o tempo todo, discutindo o assunto com a Direção da Folha, em São Paulo. Na dúvida, segui o ritmo. Só me referia ao WikiLeaks em e-mails como "a organização".
Em 5/12, um domingo chuvoso, o WikiLeaks decidiu ampliar sua parceria no Brasil. A Folha foi informada de que "O Globo" também receberia o lote de telegramas nos quais havia menção sobre o Brasil. Uma reunião foi marcada à noite no restaurante Planeta's, no centro de São Paulo. Um novo acordo de exclusividade foi firmado entre Folha, "Globo" e WikiLeaks. A Folha já publicou dezenas de reportagens e divulgou telegramas na íntegra, alguns traduzidos para o português (bit.ly/fOj3ew).
A Folha usou a seu favor e dos seus leitores o acesso antecipado aos telegramas. Os repórteres envolvidos na operação puderam ler os textos, contextualizá-los e ouvir, quando necessário, partes envolvidas.
Por exemplo, na reportagem "Para EUA, Dilma planejou assaltos durante a ditadura" (10.dez.2010), houve tempo suficiente para que o jornal relesse o processo sobre a presidente na Justiça Militar, cujas informações não confirmam os dados contidos no telegrama dos EUA.
O embaixador norte-americano também foi ouvido e negou ter algo para comprovar o despacho diplomático.
O material sobre o Brasil é vasto: 1.937 telegramas originados na Embaixada dos EUA, em Brasília; 902 de consulados norte-americanos no país e 43 despachados do Departamento de Estado, em Washington. Muito mais ainda pode ser garimpado.


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