São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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DIÁRIO DE LISBOA

A febre do açaí

A iguaria brasileira prospera na crise

ISABEL COUTINHO

Por cá, nas últimas semanas, enfrentávamos calor como não se via, nesta época, pelo menos há 70 anos. Podíamos tomar banho no mar em outubro, prolongou-se o verão e havia no ar uma espécie de "febre do açaí".

Começou em agosto, quando dois rapazes portugueses, João Belmar e Miguel Oliveira -que viveram quatro anos no Brasil, onde estudaram publicidade e marketing-, tiveram uma vontade louca de comer açaí na tigela, tal e qual como no Rio. Do apetite à ideia foi um passo: e se vendessem açaí em Portugal? No ano passado, fizeram uma experiência piloto e, em dois meses, venderam duas toneladas. Era evidente que ia resultar. Arrumaram outro sócio, Frederico Vinhas, e criaram a marca Taçaí, brincadeira com a expressão "tá saindo!". Montaram um escritório de revenda para bares e restaurantes, onde particulares também podem comprar embalagens de 2 kg de polpa já com guaraná e granola. Tudo importado do Brasil. Ensinam a fazer açaí na tigela em casa e dão livro de receitas.
Quase de um dia para o outro, a ida à praia acabou, as galochas saíram dos armários e a crise caiu-nos de vez em cima. O governo anunciou que funcionários públicos e pensionistas que ganham mais de € 1.000 por mês vão perder o subsídio de férias e Natal nos próximos dois anos. Os restaurantes estão cada dia mais vazios, as lojas não venderam as roupas de inverno, porque ainda era verão em outubro. Que se salve o açaí.

UM HOMEM FELIZ
Há dois anos, naquela noite em que se viu sem emprego, o engenheiro electrotécnico João Ricardo Pedro, que acaba de receber o Prémio Leya 2011, tomou uma decisão: "É amanhã. Vou levar os miúdos à escola, volto para casa e começo a escrever um livro."
No outro dia, a mulher chegou a casa e perguntou-lhe: "Já começaste a procurar emprego?". Respondeu-lhe: "Comecei a escrever um romance". Ela olhou-o demoradamente e fê-lo prometer que escreveria uma página por dia. João escreveu milhares, a maioria foi para o lixo. Poderia ter ficado a escrever o livro -sobre ditadura, guerra colonial e vida portuguesa na província- o resto da vida.
Até que a mulher lhe chamou a atenção para o Prémio Leya. Faltavam três semanas para o fim do prazo. João disse que não tinha tempo. Ela lembrou-lhe que tinha passado dois anos a escrever, tinha de concorrer. João leu por alto o regulamento: "Li o valor [€ 100 mil], ainda hoje não faço ideia das letras pequeninas". Quando o poeta Manuel Alegre, presidente do júri, telefonou ao autor de "O Teu Rosto Será o Último" para lhe informar que era o vencedor, percebeu que o engenheiro de 38 anos parou para respirar. "Fizemos um homem feliz", disse depois.
Foi por maioria que o júri distinguiu o romance entre os 162 originais provenientes quase todos de Portugal e do Brasil. O escritor José Castello, que integrava o júri e soube em Lisboa que seu "Ribamar" recebera o Jabuti de romance, achou curiosa a estrutura. "Em certos momentos, você sente que está a ler uma série de contos, mas, com o avançar da leitura, percebe o modo subtil como as histórias se ligam. O leitor termina com as mesmas interrogações que tinha ao início. Isso é rico e desafiador."

"DANCIN' DAYS" PORTUGUÊS
Coincidências. No dia que Ricardo Pereira, director da TV Globo Portugal, inaugurava a sede da TV Globo Europa, em Lisboa, com uma festa, no Brasil estreava a novela "Aquele Beijo", com o actor português Ricardo Pereira. O actor esteve em Lisboa para a inauguração do espaço de 440 m2 que, além de escritório, servirá como estúdio e para workshops. Não veio só: trouxe Lima Duarte, Glória Pires, Susana Vieira e Tony Ramos, actores que marcaram as vidas dos portugueses desde que há 35 anos estreou por cá "Gabriela".
A sede fica num local que foi antes do Banco do Brasil e embaixada brasileira. "Não é para ser coisa de brasileiros. Vai ser uma casa portuguesa, com certeza", disse o director Pereira, 60, que trabalha na Europa desde 1980 -viveu duas décadas na Itália, onde dirigiu a TeleMontecarlo.
A Globo tem uma parceria com a portuguesa SIC. Coproduziram "Laços de Sangue" e vão refazer "Dancin' Days" em 2012. "É o primeiro caso de um velho texto da Globo que vai ser totalmente refeito, não adaptado. Pedro Lopes, da SIC, vai reescrever conversando com Gilberto Braga [que fez o original], criar personagens, actualizar", diz o director. É pouco provável que o "Dancin' Days" luso-brasileiro passe no Brasil. "Estamos a vir produzir aqui porque reconhecemos que as coisas têm de ter a cor local. Tem que ser uma história portuguesa." Com certeza.


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