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+ filosofia
Para o pensador italiano, que dará palestras em São Paulo e Rio nesta
semana, o único meio de combater o fundamentalismo é apostar na descrença
O niilismo como resistência
Manuel da Costa Pinto
Maria Andrea Muncini
especial para a Folha
Gianni Vattimo é um filósofo que se declara religioso e afirma que o maior problema contemporâneo é que não somos suficientemente
niilistas. Esse aparente paradoxo está no cerne
do "pensamento fraco", expressão cunhada pelo teórico italiano para dar uma resposta ética e epistemológica
ao fim dos fundamentos absolutos postulados pela metafísica clássica.
Professor da Universidade de Turim, autor de "O Fim
da Modernidade" (ed. Martins Fontes) e "A Tentação
do Realismo" (Lacerda Editores), Vattimo pertence à
tradição de pensadores -como Heidegger, Pareyson e
Gadamer- que transformaram a hermenêutica em
uma "teoria geral da interpretação que a faz coincidir
com toda experiência humana do mundo", como ele
escreve em "Para Além da Interpretação".
Vattimo chega ao Rio de Janeiro nesta
semana para proferir, na terça-feira, a
conferência de abertura do 11º Encontro
Nacional da Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação), que acontece até sexta-feira na Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A conferência, intitulada "Comunicação
e Transparência", acontece às 18h na Biblioteca Nacional.
Na quinta-feira, Vattimo estará em São Paulo, onde
apresenta às 15h a palestra "Comunicação e Contemporaneidade", na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
Leia, a seguir, a entrevista que ele concedeu de Bruxelas, onde é deputado do Parlamento Europeu.
Como os três grandes mestres da hermenêutica da modernidade, Nietzsche, Freud e Heidegger, estão presentes em sua
obra e na idéia de "pensamento fraco"?
Nietzsche e Freud estão presentes sobretudo no sentido de terem demonstrado que aquilo que nos parece ser a verdade é
uma interpretação. Não existe verdade objetiva em parte nenhuma; não há ninguém que veja a verdade sem ser com os
olhos, e os olhos são sempre os olhos de alguém. Se quero arrancar os olhos para ver as coisas como realmente são, não vejo mais nada. Além disso, Nietzsche e sobretudo Heidegger nos fizeram ver que devemos transformar a idéia de que a verdade não é objetiva numa disciplina do diálogo. Não existem
princípios absolutos, objetivos, mas apenas opiniões, pontos
de vista.
Se eu sei que a verdade não é definitiva, procuro um acordo,
procuro escutar os outros, corrigir-me. Essa é a hermenêutica
de Heidegger: a idéia de que a verdade acontece no diálogo intersubjetivo.
O sr. acha que a religião ainda pode ter um papel normativo
no mundo contemporâneo ou existe, no Ocidente, como diz
Pietro Prini, um "cisma submerso", uma distância entre
doutrina religiosa e fiéis cuja vida é cada vez mais laica?
Há uma frase em italiano que sempre repito e levo muito a sério: "Sou ateu graças a Deus". Graças ao fato de ser cristão, não
acredito mais em um grande número de estruturas dogmáticas. Não sou fundamentalista porque, antes da verdade dos
absolutos, dos princípios, há diante de mim um outro que devo amar como a mim mesmo. O termo "cisma submerso", de
Pietro Prini, se refere ao fato de que muitos daqueles que se
professam católicos não dão atenção aos ensinamentos morais da igreja em matéria sexual e não acreditam, por exemplo, no Inferno. Ora, não acreditar no Inferno é um modo de ser infiel ao Evangelho ou um modo de se rebelar contra o autoritarismo eclesiástico? Para mim, é um modo de ser fiel ao Evangelho rebelando-se contra o autoritarismo eclesiástico.
Qual a atualidade de categorias ético-religiosas como "caridade" e "solidariedade"?
Eu diria que elas têm cada vez mais sentido. Em um mundo multicultural de religiões e opiniões diversas, a única coisa que ainda pode nos salvar são a
caridade e o respeito pelo outro, pois não há mais nada a que possamos nos apegar.
Como a filosofia e o "pensamento fraco" podem servir para enfrentar os conflitos cada vez mais violentos do mundo hoje?
Sou muito realista e acredito que, infelizmente, a filosofia é apenas mais um componente possível do processo histórico; portanto, não tenho a ilusão de criar uma situação humanamente aceitável somente com a filosofia. Com relação ao "pensamento fraco", se há um momento em que ele se faz necessário, é precisamente este, em que nos vemos diante dos fanatismos, dos fundamentalismos.
Mas a derrubada hermenêutica dos valores absolutos não poderia levar a uma outra forma de fanatismo, a uma violência niilista?
Não. Isso só seria válido para os niilistas de que falam Turguêniev e os romances russos do século 19. Mas o niilismo, tal como definido por Nietzsche, é a perda de valor dos valores supremos: ora, como imaginar que alguém que não crê nos valores saia por aí e vire um kamikaze, um homem-bomba, um
homicida? A ameaça não são os niilistas, mas os não-niilistas.
Digo sempre que nós não somos suficientemente niilistas.
Esse é o nosso problema, no sentido de que todos os terrorismos que conhecemos são de tipo fundamentalista, praticados por pessoas que crêem intensamente naquilo em que crêem, a ponto de se matarem para impor sua crença aos outros.
Como o sr. analisa a globalização e manifestações como as
de Seattle e Gênova?
A globalização, tal como existe, é apenas uma liberação de barreiras (alfandegária, comercial etc.). Manifestantes como os de
Seattle ou Gênova constituem um movimento alternativo de
pessoas que têm em comum a rejeição a uma globalização
não-democrática, que exclui países do Terceiro Mundo.
A globalização "democrática" deveria incluir a informação?
Pode ser que, com a globalização, todos os dados sobre minha
vida pessoal -minhas opiniões, minha orientação sexual-
estejam num computador da CIA. O mundo caminha nessa
direção e no futuro a nossa vida privada estará cada vez mais
visível e controlável. O problema disso é que eu posso ser visível, mas nem todos o são. Tudo bem que a minha privacidade esteja disponível na internet, mas quero que a privacidade de todos os outros, incluindo a de George W. Bush, também esteja. A globalização não pode acentuar as diferenças de poder
social, e, nesse sentido, ela é uma questão para a democracia.
Como o "pensamento fraco" lida com questões científicas,
especialmente com a biotecnologia? Existe uma bioética?
A bioética representa a vocação do homem de assumir plenamente a responsabilidade por si próprio. A biotecnologia nos coloca diante do fato inegável de que cada vez mais a vida depende de nós, e não de potências obscuras ou de alguma divindade que decide, sem que compreendamos, os momentos do
nascimento e da morte. Determinar o sexo ou a cor dos cabelos das crianças que produzimos não é um sacrilégio, mas algo
que coloca o homem diante da mais plena das responsabilidades. As coisas não caminham mais naturalmente, devemos
deliberar sobre elas. E como deliberar? Com base em uma posição puramente arbitrária ou em um acordo com os outros?
Como não tenho fé em princípios morais eternos, prefiro viver em um mundo onde haja interlocutores. Devemos assumir toda a responsabilidade por nossa existência, sem nos refugiarmos na crença em necessidades naturais; quanto mais
decrescem os limites naturais objetivos, mais reconhecemos a
importância dos limites intersubjetivos. É possível resolver todos os nossos problemas éticos com base no princípio do respeito à liberdade do sujeito efetivamente interpelável.
Manuel da Costa Pinto é jornalista e editor da revista "Cult".
Maria Andrea Muncini é jornalista.
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