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Ponto de fuga
O rabo e a tromba
Jorge Coli
especial para a Folha
Gus van Sant dá duas explicações para
o título de seu filme "Elefante", que, premiado em Cannes no ano passado, não
faz muito chegou nos cinemas brasileiros. Um é o da evidência: impossível disfarçar um elefante. O outro, o primeiro
que lhe veio à cabeça, foi a fábula dos cegos. Tateando, eles tentam reconhecer o
animal, mas descobrem apenas uma
parte: o rabo, as orelhas, a barriga ou a
tromba.
O elefante é tão incompreensível quanto o massacre por dois adolescentes, no
próprio colégio, de seus colegas. O diretor mostra, faz ver, mas, assim como seu
público, é cego, pois não compreende.
Um elefante, no entanto, pode esconder outro. Gus van Sant, fascinado pelos
jovens, retoma, sem cansar, o mundo deles em seus filmes. A câmera, fluente, discreta, os persegue. Nucas avançam pelos
corredores, trajetos são capturados em
pátios e gramados. Há algo dos videogames nesse encalço, mas transfigurado na
poesia da imagem. Vistos de fora, como
peixes em aquário, seus atores dizem frases curtas e raras. São menos que personagens, são presenças. O diretor da escola é assassinado: apenas aí algo de grotesco ocorre e algo de levemente inteligível.
Mais que o massacre, é o mundo adolescente que recusa a compreensão dos
adultos. Em verdade, esse filme para cegos se oferece como visualidade impossível, que conhece suas impossibilidades.
Tudo vem filmado com uma delicadeza
extrema que é paradoxal, se pensarmos
na matança. Tudo se torna espera, como
um prólogo que se perpetua, como as
nuvens que aparecem na tela, armando
tempestade.
Par - A dificuldade de ser adolescente,
o divórcio entre jovens e adultos, a inteireza dos sentimentos antes que eles se esgarcem com o passar dos anos, se transformaram, graças a Shakespeare, na história de amor mais célebre que existe:
"Romeu e Julieta". É uma tragédia suave
e comovente. Gounod a retomou numa
ópera, tecida de maravilhosos abandonos românticos, com soberba orquestração, em que os violoncelos soam como se
manifestassem a própria respiração
amorosa.
Foi apresentada, não faz muito, com
elenco brasileiro, no Teatro Municipal
de São Paulo. Diante da Orquestra Experimental de Repertório, em ótima forma,
o maestro Jamil Maluf conteve os grandes impulsos líricos da partitura, exaltou
os momentos rítmicos e vivos. O jovem
casal de Verona foi encarnado por Rosana Lamosa e Fernando Portari, muito seguros, muito musicais, embora o tenor
tenha apresentado, como já nos anteriores "Contos de Hoffman", uma tendência para os sons nasais, que comprometem a beleza notável de seu timbre.
Paulo Szot fez lamentar que Mercutio
morra tão cedo na história: seu canto
mostrou como é merecido o sucesso que
ele vem obtendo no exterior. A voz de José Gallisa, o frei Lourenço, revela-se cada
vez mais suntuosa. Costumes e cenário,
numa concepção que trazia a história para um estranho mundo contemporâneo,
eram de grande beleza.
Escolha - Há uma bela versão de "Roméo et Juliette", de Gounod, num DVD
que foi vendido em bancas de jornal e
agora está em diversas lojas, a preço de
banana. Filmagem de uma produção do
Covent Garden (1994), traz Roberto
Alagna e Leontina Vaduva, sob a regência inefável de Charles Mackerras. A voz
de Vaduva é encorpada e sensual; Alagna
entrou para o rol dos maiores tenores
que interpretaram esse papel.
Há também, em CD, uma versão ainda
com Alagna, mas é Angela Gheorghiu
que encarna Julieta. Dirigida por Michel
Plasson, conta com a vantagem de ter,
nos segundos papéis, José van Dam e Simon Keenlyside.
Pérola - Captada ao vivo do Metropolitan Opera House, em Nova York (1947,
Myto Records), uma apresentação da
ópera de Gounod, com o maestro Emil
Cooper, em que Jussi Björling é Romeu e
Bidú Sayão, Julieta. Gravação indispensável, ela permite descobrir a grandeza
imensa desses intérpretes. Ao brilho lírico e heróico de Bjöerling, Sayão opõe fragilidade que não diminui a obstinação
decidida. Ela marcou o papel de modo
definitivo, foi a Julieta de referência na
história do canto.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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