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A MÁQUINA DO MUNDO
"Newton - Textos, Antecedentes, Comentários", que está saindo no Brasil, reúne os principais estudos do físico inglês sobre temas como filosofia natural, alquimia e teologia
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Caetano Ernesto Plastino
especial para a Folha
A revolução intelectual produzida
pelas realizações de cientistas como Copérnico, Kepler, Galileu,
Descartes e Isaac Newton (1642-1727) representa uma das maiores conquistas do espírito humano. Dela resultou uma profunda transformação na
maneira de conceber o mundo e também uma orientação totalmente diferente na busca da verdade científica. Mais
do que isso, ela significou "a afirmação
da razão por si mesma", como disse
Ernst Cassirer.
Com o nascimento da ciência moderna, desintegrou-se a concepção geocêntrica do mundo, característica do pensamento antigo e medieval. Tornou-se
possível reconhecer que a Terra gira em
torno de seu próprio eixo e ao redor do
Sol, que esses movimentos são compatíveis com os eventos que ocorrem na superfície da Terra, que as leis da mecânica
aplicam-se igualmente aos fenômenos
terrestres e celestes.
Mas, se no mundo das coisas materiais
o homem deixou de ocupar um lugar
central, no mundo dos conhecimentos
ele se tornou a referência de tudo o que se
pode saber. Tudo o que podemos conhecer tem como fundamento último a sabedoria humana, que -conforme Descartes- permanece una, idêntica e universal, por mais diferentes que possam
parecer os objetos que ilumina. A ciência
consiste por inteiro naquilo que o espírito humano conhece, sem depender de
nenhuma autoridade exterior.
Assim, somente as nossas próprias faculdades cognitivas, quando corretamente utilizadas, podem conduzir à
apreensão das leis fundamentais que governam todos os movimentos dos corpos. E os instrumentos forjados para essa
investigação científica são a análise matemática e o método experimental. Nem
os ensinamentos da tradição escolástica
nem a revelação divina constituem uma
via para chegar a essa nova ciência.
O longo e árduo processo de formação
da ciência moderna nos séculos 16 e 17
culminou com as notáveis descobertas
de Newton, que simbolizaram o triunfo
de um paradigma científico capaz de revelar, de forma clara e exata, "a mais bela estrutura do sistema do mundo".
Partindo do estudo de diferentes tipos
de movimento, Newton procurou determinar as forças da natureza exigidas para produzi-los. Nessa pesquisa, foi de
fundamental importância sua argumentação para estabelecer a lei da gravitação
universal, que permitiu explicar, com
grande aproximação, fenômenos tão diversos como a queda livre dos corpos
(com aceleração constante), as oscilações do pêndulo, as trajetórias dos projéteis, o movimento das marés (causado
pela atração gravitacional da Lua e do
Sol), as órbitas elípticas dos planetas e
cometas etc.
Desse modo, questões que antes eram
tratadas separadamente se mostraram
intimamente relacionadas, dentro de um
mesmo sistema físico. E o notável êxito
desse empreendimento fortaleceu cada
vez mais a convicção de que o Universo
inteiro pode ser definitivamente compreendido nos termos dos princípios
matemáticos formulados por Newton.
Devem-se também a Newton muitas
contribuições no campo da óptica, como
a teoria das cores, os experimentos com
prismas e com os anéis, a invenção do telescópio de reflexão etc.
Na matemática, o brilhante talento de
Newton manifestou-se com toda a sua
intensidade. Destaca-se especialmente a
construção do método das fluxões (ou
cálculo infinitesimal), que lhe permitiu
"lidar com corpos em movimento não
uniforme de maneiras que eram impossíveis na geometria clássica".
Além de suas extraordinárias pesquisas nos campos da física e da matemática, Newton interessou-se profundamente por vários outros assuntos. Escreveu
milhões de palavras sobre teologia, embora apenas uma pequena parte tenha
sido publicada. Examinou a relação de
Deus com o Universo físico, interpretou
profecias bíblicas, aderiu ao arianismo e
revisou cronologias antigas. Também
sentiu-se atraído pela alquimia, em suas
indagações sobre a unidade e a transmutabilidade da matéria.
Com o propósito de apresentar ao leitor uma visão compreensiva de diversos
aspectos da imensa produção intelectual
de Newton, "Newton - Textos, Antecedentes, Comentários" traz uma criteriosa seleção de seus escritos mais significativos, acompanhada de introduções e estudos críticos altamente esclarecedores,
organizados por dois dos maiores especialistas no assunto. Os comentários são
de autoria de consagrados historiadores
da ciência como A. Koyré, A. Rupert Hall
e D.T. Whiteside, entre outros.
As questões metodológicas também
foram objeto de sua reflexão sobre a
ciência. Segundo Newton, "devemos
buscar as proposições inferidas por indução geral a partir dos fenômenos", e
não por meio de especulações hipotéticas. É enfático seu pronunciamento a esse respeito: "Não invento hipóteses", sejam elas metafísicas ou físicas, de qualidades ocultas ou mecânicas.
A argumentação indutiva não é uma
demonstração de conclusões gerais e está sujeita a exceções reveladas pelos fenômenos constatados, mas "ainda assim
é o melhor caminho de argumentação
que a natureza das coisas admite, e pode
ser considerada tanto mais forte quanto
mais geral é a indução". Em vez de presumir hipóteses sem nenhuma comprovação experimental, é preciso consultar a
própria natureza, realizar experimentos
bem planejados e a partir daí investigar
as causas que engendram os efeitos.
Mas para Newton a tarefa da ciência
não se resume a satisfazer nossa curiosidade ou gerar benefícios materiais. O
aperfeiçoamento da ciência em virtude
da utilização desse método permitirá
também "alargar os limites da filosofia
moral", pois, nessa busca das causas a
partir dos efeitos, nos aproximamos da
causa primeira, "que certamente não é
mecânica".
Embora cada passo verdadeiro da
ciência "não nos conduza imediatamente ao conhecimento da causa primeira,
ele nos aproxima dela e por essa razão
deve ser sumamente valorizado". E até
onde podemos saber pela ciência o que é
o Criador, "que poder Ele tem sobre nós
e que benefícios recebemos d'Ele, ficará
evidente para nós, pela luz da natureza,
até onde vai o nosso dever para com Ele e
o nosso dever uns para com os outros".
Em cada tema em que tocou, Newton
imprimiu sua incomparável força criadora, digna da admiração de Einstein:
"Numa só pessoa, ele combinou o experimentador, o teórico, o mecânico e, não
menos importante, o artista que expõe
sua obra. Forte, seguro e solitário, ergue-se ele diante de nós: sua alegria na criação e sua precisão minuciosa evidenciam-se em cada palavra e em cada figura". Com a publicação desta notável coletânea, dispomos agora de um guia seguro para explorar esse maravilhoso mundo de Newton.
Caetano Ernesto Plastino é professor do departamento de filosofia da USP.
Newton - Textos, Antecedentes,
Comentários
524 págs., R$ 48,00
Richard Westfall e Bernard Cohen (orgs.).
Tradução de Vera Ribeiro.
Eduerj/Contraponto (caixa postal 56.066, RJ,
CEP 22292-970, tel. 0/xx/ 21/ 2544-0206).
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