São Paulo, domingo, 07 de julho de 2002 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
À MEIA DISTÂNCIA
Caio Caramico Soares
A tradução de um texto de Brecht por Manuel
Bandeira não foi o único fato inusitado que marcou a montagem de "O Círculo de Giz Caucasiano" no Teatro Nacional de Comédia
(atual teatro Glauce Rocha), no Rio, em 1963. Segundo
José Renato, 76, diretor do espetáculo, a idéia era ter o
comediante Oscarito -estrela da chanchada nacional- em um dos papéis principais. Formado na primeira turma da Escola de Arte Dramática de São Paulo
e co-fundador do Teatro Arena no início dos anos 50,
José Renato comenta, na entrevista a seguir, o envolvimento de Bandeira na peça.
Nessas discussões na casa dele o sr. dava sugestões sobre a melhor maneira de escrever certas passagens? A gente conversava a respeito. Naturalmente eu era jovem e estava diante de um monstro sagrado, um poeta de altíssimo nível, que eu respeitava muito, mas ele era sempre muito delicado, muito gentil, acessível, extremamente sorridente, nunca tivemos nenhum problema. Mas Bandeira chegou a dar sugestões para a montagem? De modo geral, não. Ele tinha mais interesse pela parte poética, literária, e não pela teatral. Mas Bandeira achava que Brecht teria dificuldade para ser entendido em alguns momentos, por isso tomou a iniciativa de sugerir pequenas nuanças de tratamento das personagens, que abrandavam uma certa dureza do texto. O uso por Bandeira de termos como "Virgemaria!" e "Cortem a cachola!" também indica essa vontade de tornar o texto mais acessível? Exatamente. O distanciamento brechtiano não era, àquela altura, discutido nesse sentido literário. A gente usava o distanciamento na encenação, no trabalho com os atores, na linguagem cênica. Mas, quanto ao texto, o Manuel procurava fazê-lo chegar aos ouvidos do público de uma maneira direta, se empenhava em mostrar que a mensagem, a idéia fundamental de todas aquelas cenas, visava a mostrar um tipo de "caracteres", de personagens, que tinha o objetivo de exemplificar o que se discutia, ou seja, a posse da terra, a quem pertence a terra. Para Bandeira, aquela tradução significava mais um ganha-pão ou dava para notar nele um entusiasmo pessoal pelas idéias de Brecht? Bandeira tinha um engajamento superficial. Interessava-se pelos aspectos políticos, mas o grande interesse dele estava sempre voltado para a literatura. Não creio que ele tivesse um grande comprometimento com a presença de Brecht no teatro brasileiro, Brecht não era muito do setor dele. Depois do espetáculo o sr. voltou a utilizar esse texto? Sim. Há dois anos dou um curso de direção no teatro Sérgio Cardoso, pela Secretaria do Estado de SP, e utilizo muito o texto em discussões sobre o teatro de Brecht. Houve um contato com o Berliner Ensemble (companhia teatral fundada por Brecht), que montara a peça em 1954, na Alemanha? Houve um pedido de autorização da peça, mas não uma troca de idéias, embora tenhamos estudado a montagem alemã. A cenografia do Anísio Medeiros teve algumas indicações do Berliner Ensemble. O Instituto Alemão de Cultura nos passou algumas idéias sobre Brecht, sobre a Berlim da época. E a música da versão alemã, de Paul Dessau, foi mantida? A música, sim, foi inteiramente usada a música original, com algumas adaptações de orquestração por Geni Marcondes, diretora musical do espetáculo. Tanto a tradução de Bandeira quanto a montagem do Teatro Nacional passaram relativamente despercebidas na literatura sobre Brecht no Brasil. A seu ver, por que isso ocorreu? Não sei, acho que é um problema de organização. Quando houve o movimento militar de 64, todos esses bancos de memória do Ministério da Educação, numa seção na rua São José, no Rio [no endereço onde atualmente fica a Funarte", foram arrebentados. Sobrou bem pouca coisa. Eu dei fotos, programas e recortes para esse arquivo, e isso tudo desapareceu, ninguém sabe mais. A memória a cargo de pessoas e entidades particulares é muito mais bem guardada do que pela entidades públicas. Muita coisa foi rasgada ou abandonada por pessoas que temiam ser presas devido a ligações políticas. Texto Anterior: + quem foi Brecht Próximo Texto: Quem foi Bandeira Índice |
|