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Ponto de fuga
O olho do rei
Jorge Coli
especial para a Folha
O mistério da fotografia reside num modo pessoal de
captar o visível, fazendo ver, ou melhor, fazendo intuir
aquilo que se encontrava ali, mas que o olho não percebia. É uma espécie de mágica. Pierre Verger dizia que o
fotógrafo registra coisas e não explica. Formulou: "Diríamos que a fotografia separa a atenção da percepção e
liberta apenas a primeira, todavia impossível sem a segunda: trata-se, coisa aberrante, de uma noese sem noema, um ato de pensamento sem pensamento, uma mirada sem alvo". Isso transparece de maneira cristalina
na exposição "O Olhar Viajante de Pierre Fatumbi Verger", que se encontra agora na Fiesp, em SP, e que deve,
em seguida, percorrer várias cidades brasileiras. Nem
exaustiva nem didática, a mostra, com excelentes tiragens, cria uma atmosfera que ressalta as prodigiosas
qualidades das fotografias reunidas.
Pierre Verger não possui o sentido da reportagem,
que fixa o efêmero, nem o sentido "artístico", que embeleza a imagem. Não dissolve o homem no acidente ou
na harmonia. Antropólogo, vai além, muito além, do
documento visual. É verdade que se volta para uma humanidade "exótica", diferente dele próprio.
Mas não procura o pitoresco: Verger sabe extrair dela
nobreza e eternidade. Essas populações, que são pobres, surgem, em suas fotos, habitadas por uma silenciosa majestade. Nada de teatral: de uma criança adormecida emana estranha força superior. É fácil constatar
e admirar: difícil é explicitar suas razões e segredos.
Pierre Verger conta que recebeu, de Xangô, o título de
Oju Oba, que quer dizer "o olho do rei".
Laços - Há, em grandes antropólogos, o desejo de se
transformar no outro, fundindo-se na cultura que estudam. Tais alianças conduzem, por vezes, a assumir um
nome de adoção: Curt Nimuendaju, por exemplo, ou,
está claro, Pierre Fatumbi Verger. São atos de afeição,
de amor. O gênio fotográfico de Verger se nutre desse
afeto, que evita superficialidade e que, certeiro, conduz
à essência.
Cortes - Bons tempos, há 50 anos, quando um grupo de
vanguarda podia acreditar e exclamar que "não há mais
continuidade!". Que o passado, a história, deviam ser
eliminados. Que era possível romper. Que a geometria,
tratada com contornos acerados, era um instrumento
definitivo das artes plásticas.
No Centro Universitário Maria Antonia, em SP, a exposição do grupo Ruptura, que ocorreu em 1952, no
MAM-SP, é reconstituída no que foi possível. Bastante
nostalgia se desprende das obras, pois essa vanguarda
conta já meio século. Algumas delas envelheceram materialmente, e o suporte e as tintas revelam o desgaste
do tempo. As maquetes de Leopoldo Haar, que desapareceram, foram substituídas por fotos de época, testemunhos de uma beleza leve e frágil. Os princípios geométricos, mais tarde sistematizados e, por vezes, banalizados pela Op Art, guardam, nessas experiências precursoras, um caráter espontâneo e aéreo: é assim o mundo de Waldemar Cordeiro, situado entre o sensível
e o mental; são assim as esculturas de Kazmer Féjer, feitas de lâminas transparentes que criam paradoxais ondulações angulosas. Geraldo de Barros leva a geometria a devorar-se a si própria; algumas de suas obras substantivas, porém, não puderam vir à mostra, embora se encontrem reproduzidas no catálogo. Charoux, Sacilotto e Wladislaw combinam formas sobre o fundo unido,
onde elas se relacionam em equilíbrios sutis.
Tramas - No mesmo Centro Maria Antonia, uma outra
sala é consagrada a Antônio Maluf, artista que esteve
próximo do grupo Ruptura. Foi ele o criador do cartaz
para a primeira Bienal paulista, em 1951. Buscou o rigor
construtivo. Mas esse caráter estrito é apenas o suporte
para uma invenção incessante. Maluf projetou murais,
outdoors, cartazes, encadernações e roupas: na retrospectiva estão alguns exemplos sedutores. A beleza requintada dessas concepções ultrapassa, em muito, o que se costuma chamar de arte aplicada.
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