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"Cigarro é uma droga; nem comece"
Tentativa de fazer filho parar de fumar foi a motivação de "experimento" que durou 1 mês, diz autor
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Em um país onde a bandeira do politicamente correto se impõe a
ponto de encobrir a
visão, um vício trivial
como o cigarro já pode ser enxergado como uma emocionante transgressão.
Foi nessa "aventura" que
embarcou Tom Chiarella, hoje
com 47 anos: um adulto norte-americano aprender a fumar
tabaco.
Ciente dos males do tabagismo, que matou cerca de 5,4 milhões de pessoas em 2005, segundo a Organização Mundial
da Saúde, Chiarella, que é professor no
departamento de inglês da
Universidade DePauw, em Indiana, passou um mês fumando e conta a experiência no texto abaixo, publicado originalmente na revista "Esquire".
FOLHA - Fumar foi uma "investigação" ou teve outros motivos?
TOM CHIARELLA - Foram dois fatores. O incansável movimento
antitabagista nos EUA, que
chegou a ponto de tirar o fumo
de lugares onde eu gostava de
vê-lo, como bares, restaurantes
e escritórios. Quero que as pessoas tenham o direito de fumar.
Elas o fazem por uma razão,
que deve ter a ver com o que o
fumo as faz sentir e que as permite e compele a viver.
Também o fiz porque meu filho de 17 anos começou a fumar, e temi por ele. Não sou
burro. Sei que é perigoso. Esperava que isso o revoltasse de algum modo, ajudando-o a parar.
FOLHA - O sr. qualificou o mês que
passou fumando de "experimento"
e, depois, de "impensado". Quão
científica foi a experiência?
CHIARELLA - Os dados são precisos, mas não acho que poderia
tirar uma conclusão deles como um cientista faria. Mantive
uma caderneta. No princípio
anotava as sensações que tinha;
no final apenas contava quanto
fumei e as marcas. Virginia
Slims foi o menos desejado. Nat
Sherman foi o favorito.
FOLHA - O sr. diz que fumantes parecem "fajutos" na TV. Qual é sua
opinião sobre a glorificação do cigarro na cultura popular?
CHIARELLA - Estou certo de que
no Brasil também também há
colocação de produtos em filmes, mas nos EUA isso é muito
ostensivo. Não gosto de ver
uma atriz ser paga para beber
Coca-Cola mais do que um ator
fumar pela mesma razão.
Além disso, há uma certa
mentira em sugerir uma relação de causa e efeito entre a
presença do cigarro nos filmes
e o fato de que pessoas fumam.
Cigarros fazem as pessoas se
sentirem diferentes, até melhor. Cigarros são uma droga. É
por isso que as pessoas fumam
-estão se medicando. É por isso também que se bebe café.
FOLHA - Fumantes deveriam se
considerar vítimas por terem de sair
à rua para acender um cigarro?
CHIARELLA - Sair para fumar é
um grande prazer. Conheci
muitas pessoas e fiquei em pé,
pensando em coisas boas, as
quais jamais me ocorreriam se
estivesse sentado à escrivaninha. Sair no meio do trabalho é
um tipo de bênção.
FOLHA - Arrependeu-se desse mês?
CHIARELLA - De certo modo, sim.
Ganhei peso durante e depois.
Senti-me deprimido. Não foi
difícil parar, mas freqüentemente me sinto tentado a voltar. Entretanto aprendi muito,
portanto não me arrependo.
FOLHA - Que conselho o sr. daria a
quem pensa em começar a fumar?
CHIARELLA - É uma droga, vai
afetá-lo como uma droga. Parece um acessório de moda, mas é
uma droga. Se não toma outras
drogas, por que essa?
FOLHA - E qual é o conselho para
quem quer parar (além de jogar videogame por seis dias)?
CHIARELLA - Nem comece. Desista antes de desejar um cigarro. Vá acampar. Não espere que
nunca mais vai querer sentir
aquela sensação, a expansão no
peito, a pressão do sangue para
a cabeça -você vai.
Mas não julgue aqueles que
decidiram fumar. Considerar o
fumante um sintoma de um
problema social é desumanizar
suas necessidades e direitos. Isso leva a uma cultura em que as
pessoas implicam com as outras para obter mudanças.
É por isso que os EUA têm
uma prefeita de um subúrbio
concorrendo ao segundo cargo
mais importante do país [Sarah
Palin, governadora do Alasca e
candidata republicana a vice-presidente].
Pela força de sua convicção
de que sabe mais do que qualquer outro cidadão, mais do
que a comunidade científica sobre evolução e aquecimento
global, ela é uma implicante
classe A. Isso são os EUA hoje.
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