|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O nirvana é logo ali
Em "A Suíte Elefanta",
Paul Theroux mistura exotismo,
auto-conhecimento
e capitalismo para retratar
a Índia atual
|
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
As três novelas de
Paul Theroux reunidas em "A Suíte
Elefanta" não precisam ser lidas em
conjunto: cada uma trata de
um enredo específico, com começo, meio e destino próprios.
Mas a leitura das três tem ganhos interessantes porque,
além de cruzarem alguns personagens entre si, todas acompanham de perto experiências
de norte-americanos em viagens pela Índia.
No spa
Na primeira, um casal burguês hospedado num spa; na
segunda; um executivo operando tercerizações com empresários locais; na terceira, uma jovem vivendo entre um "ashram" (local de retiro), como
crente, um call-center, como
professora de sotaque e suingue lingüístico norte-americanos, e uma casa onde vive um
elefante, de carne e osso, como
singela admiradora do enorme
animal.
Há por tudo um ar de medo,
como se na mão (e na visão) do
autor a viagem de ocidentais
àquele mundo implicasse riscos fortes.
Theroux é escritor profissional de guias de viagem, conhecendo os riscos reais da empreitada, mas também sabendo
das fantasias e tolices que cercam a visitação de ocidentais às
várias paragens do Oriente.
Mundo sem glória
O caso é que nas três novelas
um esquema central se repete,
sempre a sugerir, nas entrelinhas e no saldo geral da leitura,
que por lá o mundo acaba sem
glória, sem iluminação, sem
volta.
Na primeira, "Colina dos Macacos", um casal norte-americano, marido e mulher convivendo cortesmente entediados
um com o outro, se envolve sexualmente com funcionários
locais, e o resultado, que a etiqueta das resenhas impede de
evocar aqui, inviabiliza a permanência daquilo que parecia
um mergulho em terapias amenas, restauradoras, orientais
-mas já devidamente aclimatadas à visão de varejo que o
mundo ocidental impõe a tudo,
por onde transita, de religiões a
pessoas, passando, naturalmente, por objetos.
A segunda, "O Portal da Índia", é talvez a mais sombria.
Tem como pano de fundo a
recente onda de globalização,
em que empresas americanas
passam a comprar produtos e
serviços na Índia, onde tudo é
mais barato e pode ser produzido em padrões aceitáveis de
qualidade -aquela gente aceita
qualquer salário, não conta
com legislação de proteção ao
trabalho e, finalmente, vê saída
para a miséria onde outros veriam um emprego degradante.
Nela, um um advogado recém-separado, que odeia tudo
na Índia, da comida à gente,
mergulha numa viagem pessoal
degradante, enquanto seu parceiro local, executivo indiano
bem-sucedido cujo pai, na velhice, largou tudo que tinha para virar monge mendicante,
adere aos valores de mercado.
O final é acachapante, com a
repulsa inicial do norte-americano transformada em amor
perverso.
A terceira, enfim, "O Deus-Elefante", vai contar a viagem
pela Índia de uma jovem e saudável mulher norte-americana,
que está andando pelo mundo
desconhecido após sua formatura na faculdade.
Era para ser uma nova parte
de uma já sólida busca de autoconhecimento, com o objetivo
de passar uma temporada num
"ashram".
Mas a falta de grana obriga ao
trabalho, e lá vai ela, graduada
em línguas, ensinar aos jovens
locais, da cidade próxima de
seu local de retiro, como se fala
para ganhar a confiança do
consumidor -este um norte-americano de qualquer Estado.
Experiência terrível
O vendedor é o jovem indiano feliz com o emprego, talvez
sem nunca ter experimentado
o objeto de sua venda (vista de
longe é coisa ridícula, mas o
prezado leitor sabe que se trata
de um esquema em pleno funcionamento).
Um momento de descuido
vai conduzi-la a uma terrível
experiência (também sexual),
de que resulta outro horror.
Viagem ao coração do exotismo, lá onde agora se emprega
gente simples a preço baixo e
aonde se vai, presumivelmente,
para descanso e busca espiritual, misturada com sexo irregular, resultando em fracasso
pessoal, na beira da tragédia.
É a parte indiana do mercado
mundial pela lente das bem
construídas novelas de Paul
Theroux, garantia de boas horas de leitura, nem que seja para perder a inocência acerca do
paraíso, ao preço de acrescentar culpa judaico-cristã ao relato ficcional de viagem.
LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e autor de "Machado e Borges" (ed. Arquipélago), entre outros livros.
A SUÍTE ELEFANTA
Autor: Paul Theroux
Tradução: Fernanda Abreu
Editora: Objetiva/Alfaguara
(tel. 0/ xx/ 21/2199-7824)
Quanto: R$ 44,90 (304 págs.)
Texto Anterior: Cigarro é responsável por 10% das mortes no mundo, diz OMS Próximo Texto: Prisão das memórias Índice
|