São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003 |
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O filósofo mais interessante e original de nossos tempos é Robert Brandom; é com os livros dele que eu passo mais tempo hoje A NARRATIVA DA VIDA
1.
Wittgenstein é a figura que mais impacto exerceu sobre minhas idéias filosóficas. Seu livro "Investigações
Filosóficas", uma obra que chamou de "terapia filosófica", dissolveu a maioria dos problemas filosóficos que
fui educado a levar a sério.
O livro abriu o caminho para que filósofos posteriores, como Wilfrid Sellars (1912-1989) e Robert Brandom, pudessem descartar as noções de "experiência",
"consciência" e "mente". Eles o fizeram dando seguimento à observação de Wittgenstein de que não há como se interpor entre a linguagem e seu objeto.
Em especial, não existe maneira alguma de decidir se
uma palavra é apropriada para se referir a uma experiência. Assim, uma experiência perceptiva não é questão de algo ter sido "dado" à consciência e depois descrito em linguagem, mas de termos sido treinados a utilizar certos objetos de linguagem ("estou sentindo dor",
"isso é vermelho", "essa é uma vaca", "isso é bonito")
sob condições ambientais e neurológicas determinadas.
Não existe nada de "inefável" na experiência, a consciência não tem nada de misterioso e não existe maneira de avaliar a linguagem em termos de "adequação".
As descrições linguísticas muitas vezes são suplantadas por outras descrições linguísticas, mas isso acontece
porque as últimas são mais úteis, não porque representem melhor os objetos que descrevem.
Essa visão da percepção enfraquece a idéia empírica
de que os sentidos colocam nossa mente em "contato
direto" com a realidade e também a idéia de que algumas descrições do mundo são mais próximas de "como
o mundo é vivido diretamente" do que outras. Uma vez
que abrimos mão da esperança de encontrar uma descrição mais precisa da experiência, torna-se fácil eliminar de nosso vocabulário filosófico a noção de "experiência" e a de "mente".
Os wittgensteinianos enxergam os seres humanos como organismos que, como outros animais, reagem a
circunstâncias ambientais com respostas comportamentais. Logo, o que nos distingue dos brutos (e dos
computadores) não é o fato de possuirmos um ingrediente extra adicional ao qual se dá o nome de "mente"
ou "consciência", mas simplesmente nossa capacidade
de apresentarmos comportamentos especificamente
linguísticos, trocando marcas e sons uns com os outros
de maneiras que respeitam normas sociais.
Os seguidores de Wittgenstein descartam a idéia de
que a linguagem seja uma tentativa de representar a
realidade com precisão e também a idéia de que a verdade consiste na correspondência com a realidade. Essas mudanças lhes permitem deixar de lado perguntas
céticas sobre se a mente humana é ou não capaz de
apreender a verdadeira natureza das coisas.
O progresso científico, numa perspectiva wittgensteiniana, não é questão de chegar mais perto de algo que já
existia (a Verdade ou Como o Mundo Realmente É),
mas sim de encontrar maneiras de falar que nos capacitem a prever o que vai acontecer, com isso nos proporcionando condições de desenvolver tecnologias que
nos permitam exercer mais controle sobre nosso ambiente. O progresso moral é questão de capacitar grupos cada vez maiores de humanos a levar vidas mais livres e mais felizes, e não de alcançar clareza maior
quanto à chamada "realidade moral". O progresso filosófico não é questão de resolver problemas ou penetrar
mistérios, mas sim, como disse Wittgenstein, de "indicar à mosca a saída da garrafa na qual ela está presa".
Richard Rorty é filósofo americano e professor na Universidade Stanford. É autor de, entre outros, "Para Realizar a América" (DP&A) e "Objetivismo, Relativismo e Verdade" (Relume-Dumará). Tradução de Clara Allain. Texto Anterior: Minha formação Próximo Texto: Bento Prado Jr.: O porto seguro da filosofia Índice |
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