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+ arte
O escultor norte-americano rejeita a comparação com o brasileiro Amilcar de Castro e diz que as inquietações de sua estética têm origem na pintura
O ESPAÇO SEM ESQUINAS
Lucrecia Zappi
free-lance para a Folha
Quanto mais pesado, mais leve. Olhando para as esculturas de ferro do norte-americano Richard Serra (1939), essa contradição
não é aparente. Ao circular entre "Vice-Versa", "Catwalk", "Wake" e "Blindspot", que ficaram expostas na galeria Gagosian, em Nova York, até
25 de outubro, o espectador tem uma experiência
única de deslocamento espacial.
O corredor de seis vias, que forma a peça chamada
"Blindspot" (Ponto Cego), por exemplo, gera um
desprendimento do espaço físico. A cada volta que se
dá na direção do interior da peça, as paredes se reclinam para um lado. Ora para a direita, ora para a esquerda. E a confusão espacial se acentua ao não se
ver a continuidade do caminho. A cada volta, tem-se
a impressão de que o corredor está fechado, com um
muro na frente. Até que se chega ao "oco" da peça, e
não se tem mais idéia da distância percorrida e de
quanto tempo se passou.
De tênis, moletom e calça jeans, Serra conversou
com o Mais! sobre questões fundamentais em seu
trabalho, como o tempo e a abstração. As peças vão
para um depósito, e Serra não sabe dizer quando serão vistas novamente, talvez na retrospectiva de seu
trabalho, no MoMA (Museu de Arte
Moderna), quando reabrir em 2005.
No Brasil seu trabalho é muitas vezes
comparado com o do escultor Amilcar
de Castro (1920-2002). O que o senhor
pensa disso?
Eu conheço seu trabalho e o admiro, mas não acho que seja uma
comparação justa, é uma geração
completamente diferente. A geração dele surgiu a partir de David Smith, Julio
Gonzalez e Pablo Picasso, no início da produção
da escultura de ferro do começo do século 20. A
minha, a mesma de Bob Smithson e Bruce Nauman, veio de Donald Judd. É uma estética totalmente diferente. Muito do cortar e dobrar ferro
veio de uma questão pictórica. A minha questão
tem muito mais a ver com o espaço, com ativar o
espaço. Espaço é meu tema.
Nos anos 70, muitas peças suas expostas na natureza
eram tão extensas que o espectador não conseguia
absorvê-las como um todo. Nesse sentido, qual a importância da documentação do seu trabalho?
Eu estou interessado na percepção do trabalho
em seu lugar, e não em cartões-postais. Se alguém
vai a um lugar, faz alguma coisa, tira uma foto daquilo e me traz as fotos... Isso não me interessa. Eu
me preocupo com as diferentes formas de tempo.
Quando você entra no "Blindspot", por exemplo,
lá o tempo é sempre presente, porque você não
sabe onde está. Quando você quer se situar no
passado ou no futuro, antes tem que saber se posicionar em algum lugar.
Como você desconstrói o espaço em "Blindspot"?
O que é interessante nessa peça é que você vai e
vem e, depois de um tempo, não sabe mais se está
indo para o leste ou para o oeste. O curioso é que
tudo vai para uma direção. Mesmo se você virar e
for para o outro lado, você vai continuar indo para a mesma direção. E nenhuma esquina está alinhada com a outra esquina. Você está caminhando, chega numa parede e tem que virar. E vira na
direção de outra parede! Você perde a direção e fica confuso.
Mas existe uma intenção de desconectar o espaço interno do externo?
Essas peças lidam com dois aspectos da escultura.
"Wake" [Despertar] é sobre o campo aberto, que
desperta o sentimento de caminhar através dele.
"Blindspot" é um espaço psicológico, profundo e
concentrado, onde você perde o senso de direção.
E esse tempo é muito diferente do tempo da peça que corre através da galeria. Então, há diferentes enfoques e diferentes formas de como alguém
caminha através, dentro ou em
torno de algo.
O senhor foi do minimalismo para uma
escultura monumental e extremamente expressiva. Como aconteceu essa
mudança?
Eu nunca fui um minimalista. Eu
acho que eles são grandes artistas,
como Flavin, Judd e Andre. E aí
você tem Morris, mas eu vim da
geração desses três primeiros. Eu
estava a fim de caminhar dentro, entre e em torno
dos objetos. O tempo me interessava mais que o
objeto específico.
Por isso eu nunca me considerei um artista minimalista, e sim um pós-minimalista.
E como o sr. vê a arte contemporânea que tem sido feita desde então?
Tem muito trabalho bom, mas eu acho que estamos vivendo um período maneirista na arte. Se
você vai às galerias, você vai ver um monte de instalações que são uma espécie de colagem cenográfica e muito simplistas, com justaposições de
luz, fumaça ou o que for. São mais baratas que um
surrealismo barato. A colagem fica teatral e não
tem muita substância, numa espécie de tentativa
de entretenimento.
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