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Livros
Juntos venceremos
Os cismas do socialismo são analisados pelo russo Mikhail Bakunin e o brasileiro Maurício Tragtenberg
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Maurício Tragtenberg e Mikhail Bakunin
[1814-76] foram
dois adversários do capitalismo e dos socialismos autoritários. "Reflexões
sobre o Socialismo" e "O Princípio do Estado e Outros Ensaios" permitem identificar os
principais pontos desses embates.
Tragtenberg foi um intelectual crítico, questionador da
modorra acadêmica. Foi um
autodidata em um país de viés
bacharelesco; erudito diante de
uma intelectualidade de poucas letras e crítico da hipocrisia
e inépcia universitárias.
Passou por várias universidades e nem sempre se deu
bem com a estrutura de poder
marcada pelo conservadorismo e ódio à cultura.
Em São José do Rio Preto
(SP), acabou defenestrado da
Faculdade de Filosofia após o
golpe de 1964, para satisfação
dos conservadores locais, especialmente dos seus "colegas"
professores (muitos que, anos
depois, fizeram carreira na burocracia universitária).
Mas nada o abatia. Afinal sabia que a universidade era simplesmente seu ganha-pão, e
não um espaço intelectual de
debate e produção de idéias.
Crítico dos partidos
Freqüentador de bibliotecas
-algo que estranhamente não
é hábito entre os intelectuais
brasileiros-, acabou lendo os
principais clássicos sobre as revoluções dos séculos 19 e 20.
Mas não foi um mero repetidor de interpretações. Pelo
contrário, construiu a sua visão
das revoluções. O livro "Reflexões sobre o Socialismo" é produto dessas releituras. A primeira edição é de 1986, quando
o "mundo socialista" ainda
existia. O Muro de Berlim parecia eterno, indestrutível.
Analisa sinteticamente as
três Internacionais, a Revolução de 1917, os movimentos de
esquerda na Rússia de resistência ao poder bolchevique, as
formas alternativas de autogestão no Leste Europeu diante do
que chama de capitalismo de
Estado na União Soviética.
Na época do lançamento do
livro, ainda estavam presentes
os acontecimentos da Polônia e
a formação do sindicato Solidariedade; o eurocomunismo era
uma opção diante do socialismo realmente existente.
Tudo isso foi varrido nos últimos 20 anos, e o modo de produção capitalista, com variantes, se transformou em forma
quase única de organização
econômica.
Tragtenberg é um crítico do
partido político, de sua atuação
ambígua de estímulo/controle
dos movimentos sociais e do
político profissional, intermediário entre a classe e o Estado.
Critica o sindicato: "O capitalista cuida das máquinas, o sindicato cuida da disciplina da
mão-de-obra. Noventa por cento das entidades, grupos ou
partidos que trazem o nome
"operário" têm a finalidade de
controlar o operariado".
Se algumas interpretações
estão datadas -o que é absolutamente natural-, quando critica os sindicatos, acerta no alvo. Mas não imaginava que no
Brasil, além de controlar os trabalhadores, os sindicatos iriam
se transformar em máquinas
políticas e econômicas, elegendo sindicalistas e -por meio
dos fundos de pensões- detendo enorme poder financeiro.
Fim do Estado
Mikhail Bakunin é um velho
conhecido de todos aqueles que
militaram ou estudaram o movimento operário brasileiro. A
publicação de "O Princípio do
Estado e Outros Ensaios" é
bem-vinda.
Apresenta três textos tratando da concepção anarquista do
Estado e do embate travado
contra as outras correntes do
movimento socialista.
Os textos são de 1871, ano da
Comuna de Paris, e apresentam as profundas divergências
entre os anarquistas e os marxistas, estes uma tendência minoritária no movimento operário europeu, especialmente na França, o palco privilegiado da
luta de classes no século 19.
Para Bakunin, "os comunistas crêem dever organizar as
forças operárias para apoderar-se da potência política dos Estados. Os socialistas revolucionários organizam-se com vistas
à destruição ou, se quiser uma
palavra mais polida, com vistas
à liqüidação dos Estados."
"Os comunistas são os partidários do princípio e da prática
da autoridade, os socialistas revolucionários só têm confiança
na liberdade".
Peça de museu
Os dois livros tratam do socialismo, ideologia negadora do
capitalismo que teve na revolução de 1848 sua data efetiva de
fundação. A reflexão de Bakunin foi realizada no calor da hora, em 1871; já Tragtenberg teve
mais de um século para analisar o desenvolvimento das lutas sociais, o que permitiu buscar um diálogo do anarquismo com o marxismo.
Por meio destes livros, é possível acompanhar como o socialismo foi construído e como
hoje se transformou em peça
do museu da história.
Evidentemente, merecem
ser lidos, especialmente porque os dois autores foram defensores da liberdade e severos
críticos da repressão estatal.
MARCO ANTONIO VILLA é professor de história no departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
REFLEXÕES SOBRE
O SOCIALISMO
Autor: Maurício Tragtenberg
Editora: Unesp (tel. 0/xx/11/ 3242-7171)
Quanto: R$ 25 (134 págs.)
O PRINCÍPIO DO ESTADO
E OUTROS ENSAIOS
Autor: Mikhail Bakunin
Tradução: Plínio Augusto Coêlho
Editora: Hedra (tel. 0/xx/11/ 3097-8304)
Quanto: R$ 20 (144 págs.)
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