|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ comportamento
Cidade
RECÉM-ABERTO EM NOVA YORK, O "MUSEU DO SEXO" RECUPERA A HISTÓRIA DOS PRIMEIROS CLUBES DE FETICHISMO ATÉ OS MOVIMENTOS GAYS NA METRÓPOLE
E A INFLUÊNCIA QUE EXERCERAM NA SUBCULTURA NORTE-AMERICANA
|
David Usborne
do "Independent"
Grady Turner ocupa um escritório sem janelas
na Quinta Avenida e está pensando sobre sua
nova vocação. Para resumir, o sexo. Sexo de
toda espécie -gay, hetero, fetichista. Ele
pensa em pouca coisa mais nos últimos cinco anos.
Suas estantes estão atulhadas de livros de sacanagem e
vídeos com fotografias explícitas em suas capas.
Mas nem todo o seu trabalho foi realizado à luz trêmula de uma lâmpada amarelada. Turner, bem casado
e pai, também se arrisca fora do escritório. Mais recentemente, esteve investigando a subcultura sexual em
sua cidade natal, Nova York, de que resultaram a exposição e o livro "NYC Sex - How New York Transformed
Sex in America" [NYC Sex - Como Nova York Transformou o Sexo nos Estados Unidos, Scala Books, 224
págs., US$ 25".
Turner tem um título respeitável -curador-executivo- e é o encarregado de exposições no Museum of
Sex (www.museumofsex.com), que ocupa seu improvável lugar na cidade de Nova York em companhia de
instituições veneradas como o Guggenheim e o Frick. O
museu chega até mesmo a compartilhar o endereço, a
Quinta Avenida (mesmo que o revestimento externo
em pastilhas verdes do edifício o torne um tantinho parecido com um lavatório público), e espera conquistar
respeito semelhante. Ou ao menos é isso que pretendem Turner e o fundador do museu, Dan Gluck.
Audiência popular
Os visitantes são encorajados
a ir ao MoSex -um apelido que já começa a se popularizar como referência jocosa ao MoMa (o Museu de Arte Moderna)- não à espera de excitação (ainda que,
tendo em vista parte dos planos, isso possa acontecer),
mas por curiosidade quanto ao assunto em toda a sua
variada glória, quer estejamos falando de liberação dos
gays e lésbicas, prostituição, o submundo do fetichismo, direito ao aborto, moralismo, leis de obscenidade
ou o papel da pornografia.
Isso nos leva imediatamente ao conceito por trás do
MoSex. Turner e Gluck têm uma teoria auto-explicativa, ou seja, o fato de que todos se interessam por sexo.
Quando se trata de museus ou galerias, cada pessoa tem
o tema que a atrai, não importa se o Antigo Egito ou os impressionistas. Mas o sexo deixa poucos de nós intocados. "Chegou a hora de fazermos algo como esse
museu", argumenta Turner.
"O assunto já vem sendo estudado academicamente há algum tempo. A sociedade já mudou tanto desde a metade do
século 20 e o interesse público em sexo é
tão fenomenal que faz sentido que ofereçamos uma plataforma inteligente para
tudo isso. Um lugar onde todo esse conhecimento acadêmico possa ser apresentado a uma audiência popular."
Insulto
Não que a estrada para a
abertura do museu tenha sido fácil. No
começo, Gluck tentou conseguir que o
Estado de Nova York designasse a instituição como museu sem fins lucrativos,
o que significa menos impostos e acesso
a fundos públicos. Mas seus pedidos foram recusados de primeira. A resposta
que recebeu foi que o MoSex que ele propunha "é um insulto à palavra "museu'".
Gluck não se deixou abalar e recrutou alguns investidores, transformando o museu em empreendimento privado.
O projeto dos espaços interiores foi
cortesia de Casson Mann, consultor britânico especializado em exibições e instalações contemporâneas. Gluck tem
idéias elevadas para o projeto. "Seremos
o Smithsonian do sexo", diz ele sem
sombra de ironia. "Queremos a alta e
baixa culturas, planejamos informar o
público sem entediá-lo até as lágrimas."
Ele acrescenta que "esse será o primeiro
museu moderno devotado ao exame do
sexo em todo o mundo, o primeiro museu de sexo realmente sério no mundo".
Talvez a indústria pornô se tenha
transferido para a Costa Oeste décadas
atrás, mas Nova York foi sempre o lugar mais associado ao pecado carnal nos
EUA. Até que Rudolph Giuliani [prefeito
de Nova York de 1994 a 2001 e responsável pela implantação do programa conhecido como "tolerância zero"] convidasse a Disney para limpá-la, a Times
Square, com suas dezenas de cinemas de
sexo, prostitutas e boates, foi sempre um
ímã para os discípulos dos divertimentos
carnais. A rebelião de Stonewall aconteceu aqui, em 1969, marcando o início da
militância gay.
A cidade deu aos EUA seus primeiros
jornais populares, seus primeiros escândalos sexuais ainda na metade do século
19 -e serviu de cenário às primeiras
marchas feministas lideradas por Gloria
Steinem. E o [grupo de música pop] Village People começou em Nova York.
O destino final
É natural, portanto,
que a cidade, como caldeirão das mudanças sexuais nos EUA, seja o tema da
primeira exposição, que ocupará os três
andares do museu em seus dez primeiros meses de existência. Ela conduzirá os
visitantes em um giro pelas principais fases no desenvolvimento sexual da cidade, da explosão do setor de bordéis (a sede do museu foi uma casa de tolerância)
passando pela revolução sexual dos loucos anos 60 e pela era de relativa contenção que se seguiu ao surgimento da Aids.
"Nossa tese é que Nova York teve grande influência na maneira pela qual os
EUA passaram a pensar sobre sexo, desde a década de 1830", diz Turner, cujo último cargo, muito mais sóbrio, era o de
diretor de exposição da solene Sociedade
Histórica de Nova York. "Se você fosse
gay, lésbica ou parte de uma subcultura
sexual, Nova York seria seu destino."
Com materiais obtidos de uma série de
fontes, entre as quais um antigo arquivista da Biblioteca do Congresso, Turner
criou exposições que contam histórias,
por exemplo a de Mae West, garota do
glamour que chocou a Broadway em
1926 (antes de fazer as malas e se mudar
para Hollywood) com uma persona suculenta, derivada do estilo dos gays de
Greenwich Village, das dançarinas do
Harlem e das prostitutas do Bowery.
E a de Margaret Sanger, aprisionada
em 1917 por abrir uma clínica que ousava
fornecer informação sobre o controle da
natalidade antes que isso se tornasse legal nos EUA.
Ele o faz com fotografias, cartas, jornais
e filmes. Seus favoritos são transcrições
de julgamentos antigos de um grupo de
homens detidos por atos homossexuais
consensuais em uma casa de banho clandestina no Harlem, no começo do século
passado. As descrições jurídicas das atividades desses homens hoje nos causam risadas. Mas
cada um deles foi sentenciado a 20 anos de prisão.
Perto do final da visita, você encontra uma tela de
computador com um mapa de Nova York recoberto de
pequenos pontos. Os pontos marcam os locais da cidade em que os moradores desfrutaram de atos sexuais
incomumente ousados, homo ou heterossexuais, entre
quatro paredes ou a céu aberto. Clicando neles, o visitante lê uma descrição de cada um desses pontos de
conjunção carnal momentânea. E há sons também, em
geral ruídos de rua e gemidos. É diante desses terminais
que é mais provável que os visitantes enrubesçam de
uma maneira que não os afetaria no Frick ou no Museu
de História Natural. Essa peça bastaria para explicar por
que menores de 18 anos não são admitidos no museu.
Se o visitante dedicar mais tempo às telas, irá localizar
a história dos dois sujeitos que resolveram transar no
topo de um caminhão de lixo no distrito das fábricas de
processamento de carne, pouco antes que outro homem salte para o caminhão e os ataque com um facão.
Ou a do casal heterossexual que regularmente fazia sexo
apoiado no mastro da bandeira no telhado da Universidade de Nova York.
A imprensa não vem sendo gentil com o MoSex. Alguns piadistas dizem que a cidade talvez precise do museu porque muitas de suas alegrias mais obscuras foram
fechadas por Giuliani. Mas Turner ri dessa idéia. O ex-prefeito pode ter expulso o sexo da Times Square, mas
os estabelecimentos que saíram de lá reabriram as portas rapidamente em outros locais.
Novo hedonismo
Existem alguns indícios que sugerem, enquanto isso, que, embora possa ter havido um
período de contenção causado pela ansiedade quanto à
Aids e pelas medidas repressivas de Giuliani, ele parece
estar chegando ao fim. Depois do 11 de setembro, o hedonismo sexual conquistou a cidade. Os espetáculos de
strip-tease masculino nas boates gay se tornaram mais
ousados, enquanto os eventos e os concursos de striptease organizados pelo Cake [clube para mulheres" demonstram que as jovens mulheres heterossexuais podem ser tão agressivas quanto os homens, sexualmente.
A saúde pública, em meio a isso, alerta quanto a um
grande surto de sífilis na cidade. Procurando na internet, é fácil descobrir as festas que estão rolando para os
heteros e os homos. Procure por nomes como "Caligula's Ball" e "Gomorrah", eventos ocasionais em apartamentos privados frequentados em sua maioria por casais hetero que querem levitar sua libido com alguma
ajuda externa. "Não há como alguém simplesmente
desligar a vida sexual, em Nova York", diz Turner.
Os melhores museus de Nova York são aqueles que
dão contexto à criação da cidade, que explicam sua vibração única e se conectam à sua corrente sanguínea. O
Museu da Imigração, na ilha de Ellis, o faz com sua história visual da maré humana que atingiu os EUA no final do século 19, e o mesmo vale para o pequeno Museu
da Habitação, no Lower East Side, que recria as condições de vida quase sórdidas que os imigrantes teriam de
suportar mais tarde. O MoSex tem a chance de fazer algo semelhante -demonstrar de que maneira o sexo foi
sempre a lava fluindo por sob a crosta da cidade, a força
primal que dá a ela seu calor e paixão.
Tradução de Paulo Migliacci.
Texto Anterior: +quem é quem Próximo Texto: +livros: Pequena história do mundo Índice
|