|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de fuga
A felicidade sem sombras
Jorge Coli
especial para a Folha
Os impressionistas tornaram a luz o objetivo da pintura. Não uma luz transcendente ou dramática, mas aquela que brinca na superfície das águas, nas folhagens, nos
tecidos, nos cabelos, tornando tudo efêmero e fluido.
Levaram o mundo a se dissolver nos reflexos, nas brumas, nos brilhos. Essa atração pelos neutros estímulos
óticos não impediu que, com eles, viessem outras emoções. A pintura de Monet possui algo de meditativo, de
melancólico, onde se oculta, por vezes, uma estranha
energia lânguida, inquieta e inquietante, lembrando
que o pintor era contemporâneo de simbolistas e decadistas. Renoir, por meio de tons iridescentes, que parecem brotar de um prisma, captou outra coisa. Não há
pintura mais feliz do que a sua. Não há outro artista que
tenha sabido levar a felicidade a uma tal plenitude sensual e sem pecado. Nenhuma angústia, nenhuma amargura, nenhuma dificuldade, humana ou plástica, vem
perturbar o gênio tranquilo que preside aos seus quadros. Partindo dos reflexos casuais e provisórios, ele
atinge uma eternidade bem-aventurada, para além das
modas e das frivolidades.
A atual exposição do Masp, consagrada ao pintor,
junta o estupendo acervo que o museu possui a outras
obras, vindas de fora. Estas são dignas e interessantes,
mesmo que poucas se ergam a um primeiro plano, o
que, por contraste, torna ainda mais evidente a qualidade do acervo local. Nem todos os períodos são bem representados. Porém cada tela ali presente, por menor
ou discreta que seja, é um recorte de paraíso.
Dó de peito - "Quantos são, pergunto a mim mesmo, os
que saem de seu primeiro espetáculo de ópera como eu
saí de minha primeira experiência de "Lohengrin", em
Paris, convencidos de que a ópera se converterá na devoção de suas vidas?" Edward J. Dent, num velho livro
intitulado "Ópera" (ed. Penguin), interroga-se, perplexo, sobre a paixão avassaladora que esse gênero exerce
sobre seu público mais fiel. É frequente que um tal arrebatamento misture-se à devoção, à gratidão, diante dos
prazeres que a singular mistura de música e teatro é capaz de oferecer, desde que a sensibilidade se exponha
aos seus fascínios e mistérios.
O caso de Lauro Machado Coelho dá a impressão de
ser exatamente este. Encetou uma "História da Ópera",
ao que parece em 15 volumes: a própria dimensão do
projeto oferece, por si só, a medida de um amor que não
recua diante de nada. Saiu agora o quinto livro, intitulado "A Ópera Romântica na Itália" (ed. Perspectiva). Exclui Rossini de um lado, e, do outro, os assim chamados
"veristas". Concentra-se num universo que engloba Bellini, Donizetti, Verdi, além de outros compositores menores, que andaram desaparecidos, mas que têm retornado, pelo menos alguns, à cena e ao disco. O amor pela
ópera, no caso de Lauro Coelho, é exigente na erudição
e rigoroso na inteligência. Sabe conduzir o leitor nos labirintos dessa paixão.
Pernilongo - A Orquestra Sinfônica da Rádio da Baviera devia vir ao Brasil, mas desistiu, com medo da dengue. Mais corajoso, seu maestro, Lorin Maazel, enfrentou os perigos tropicais e propôs reger uma orquestra
jovem brasileira. É uma situação mais inusitada e interessante. Diante da Orquestra Experimental de Repertório, no Teatro Municipal de SP, Maazel soube extrair
sonoridades, transparências e matizes, ao mesmo tempo em que insuflava uma poderosa coerência no discurso musical. Os jovens dessa formação de nome esdrúxulo estavam em grande forma, responderam a todas as
nuanças exigidas e desencadearam aplausos sem fim de
um público entusiasmado.
Valquíria - Ao mencionar, duas semanas atrás, a soprano Maria Russo, que encarnou uma valente Brunnhilde, no Festival de Ópera de Manaus, esta coluna errou ao dizer que ela é italiana. Apesar do nome, apesar de
cantar muito nos teatros da Itália, de ter estudado com
Tebaldi e Bergonzi, ela nasceu em... Rome, pequena cidade de 40 mil habitantes, que fica no Estado de Nova York, EUA.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: + brasil 503 d.C.: Esquerdas desprevenidas Próximo Texto: José Simão: Excepcionalmente hoje a coluna de José Simão não é publicada Índice
|