São Paulo, domingo, 13 de julho de 2008

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Ponto de fuga

Museu branco


A presença de um arquiteto interna- cional de prestígio como Álvaro Siza no meio brasileiro, muito fechado sobre si, é ruptura importante, estimulante e positiva

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A citação que segue vem de um artigo do "New York Times". O autor é Nicolai Ouroussoff, crítico de arquitetura daquele jornal.
"(...) sua obra mais escultural até agora. O exterior recurvo, de um branco desbotado, aninhado contra uma luxuriante colina brasileira, possui uma sensualidade vibrante que contrasta com a esterilidade incorporada em vários museus de hoje" [edição de 5/8/2007].
De fato, o edifício concebido por Álvaro Siza para a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, apresenta qualidades muito altas. Sutileza, sentido plástico dos interiores, silêncio que se associa à calma das formas, acabamento admirável, iluminação neutra, desenho cuidado de cada detalhe. O grande vazio central evoca o Guggenheim de Wright. Com suas alças que se lançam para o exterior, tornou-se ponto de referência urbano marcante e discreto.
É sempre possível criticar: o caráter claustrofóbico das longas e inúteis galerias, a concepção esquizofrênica fechada sobre si, ignorando a bela paisagem, entrevista apenas por pequenos recortes. Não importa: é um edifício de exceção.
A presença de um arquiteto internacional de grande prestígio no meio brasileiro, em matéria de arquitetura ele também muito fechado sobre si, é ruptura importante, estimulante e positiva. Além disso, projeta, em plano internacional, o nome de Iberê Camargo.

Não houve
Depois de restaurado pelo Museu Nacional de Belas Artes, do Rio, o quadro "A Primeira Missa no Brasil", de Victor Meirelles [1832-1903], percorreu algumas cidades (Curitiba, Florianópolis) e agora está em Porto Alegre.
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul reuniu em torno dele, que veio acompanhado por esboços e estudos, obras de Manuel de Araújo Porto Alegre, grande mentor brasileiro de Meirelles. Tudo é excelente.
Resta a tristeza de uma grande oportunidade perdida. Esse projeto comandado pelo MNBA poderia ter trazido ao Brasil "A Primeira Missa na Cabília", de Horace Vernet [1789-1863], fonte direta de inspiração para a tela de Meirelles. A obra pertence ao museu de Lausanne, na Suíça. Os custos de seguro decerto não seriam enormes: com algum empenho ela teria vindo, permitindo uma crucial comparação para a história das artes brasileiras.

Asfalto
No Santander Cultural de Porto Alegre, uma exposição importante: "Transfer". Traz a arte de grafiteiros, pichadores, artistas que emanam da jovem cultura underground. Demonstra um agudo sentido do absurdo e um léxico iconográfico que parece se ampliar ao infinito.
A vitalidade das salas é contagiosa, tão diferentes de tantas mostras contemporâneas áridas e mumificadas. Grande número de criadores, estrangeiros, brasileiros. Entre estes, para citar um nome só, fazendo injustiça a outros, o de Marcelo Cidade.

Haraquiri
Duas butterflies comoventes no Teatro Municipal de São Paulo: Laura de Souza, com voz poderosa, de belo timbre, e Eiko Senda, nuançada e musical.
O tenor britânico Paul Charles Clarke, que teve uma carreira honrosa na Inglaterra, mostrou-se aquém do papel de Pinkerton, fazendo sobressair, por contraste, Marcello Vannucci, protagonista convincente do outro elenco. A regência de Jamil Maluf investiu mais na energia que no lirismo.
Certamente poéticos, os cenários de Tomie Ohtake, em sua assepsia minimalista neomoderna, nem sempre foram eficazes. Sumária direção de cena, e a invenção de um balé com vários pinkertons durante o qual era melhor fechar os olhos.


jorgecoli@uol.com.br


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