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DESTINO
por Mary del Priore
Meu maior temor é essa coisa chamada "destino": coisa tantas vezes vivida como
uma cadeia inflexível e inexorável de acontecimentos, coisa capaz de nos empurrar
para a mais absoluta impotência e fragilidade. Destino é tudo o que nos escapa, que
nos é exterior e que nos atinge no mais íntimo de nós mesmos. Na Antigüidade, os
gregos designavam como "ananké" a esse fenômeno capaz de constranger o indivíduo sem dó
nem piedade, dobrando-o malgrado sua própria vontade e impedindo-o de desmontar todas as
iniciativas que pudessem interceptar malefícios.
Hoje, mesmo que personagens de tempos em que a presença constante da ciência e da técnica
pareçam garantir que somos os "senhores da natureza" ou ainda acreditando que, graças a
agendas políticas, podemos determinar a liberdade e a igualdade como um objetivo a ser partilhado por todos os homens, a figura mítica do destino continua a nos atemorizar.
Pensemos, por exemplo, na força do inconsciente, força capaz de insinuar o passado no presente, capaz de nos fazer reviver e repetir compulsoriamente determinadas situações, aprisionando-nos num insuportável constrangimento psíquico. Freud não falava no "retorno do mesmo"? Uma má infância não é, muitas vezes, sinônimo de um mau destino? Ou pensemos ainda
no código genético, programa que, à nossa revelia, nos liga a nossos antepassados, inscrevendo
e escrevendo em nossos genes a história médica de uma família; já não se fala em indivíduos
"genopositivos"? Ter o mesmo sangue não significa poder ter os mesmos males?
Tudo bem que a racionalidade nos ajuda a lutar contra o consentimento resignado diante do
destino, mas, a constatação da desigualdade fundamental dos homens, na vida como na morte,
não nos leva a pensar na força do acaso? Infelizmente, mais ligada à idéia de tragédia do que à de
felicidade, a palavra dá medo. Ao mesmo tempo herança e destinação, passado e futuro, ela
orienta a vida de muita gente. O sentimento de não ser ator de sua própria história, de ser arrastado sem saber, de ser submetido ao arbítrio, à contingência e ao acidental, me traz profundo
desconforto e -por que não?- temor...
Mary del Priore é historiadora e coordenadora-geral de divulgação do Arquivo Nacional. É autora de, entre outros, "História das Mulheres no Brasil" (ed. Contexto).
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