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SEXO E PODER À MODA ANTIGA
Divulgação
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Cena do filme "Satyricon", de Frederico Fellini |
Embora mais liberal que a grega, sociedade romana era machista e repressora e só encontrou sua válvula de escape na poesia e nas artes plásticas
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Dominique Simonnet
do "L'Express"
Aacreditarmos em Ovídio (43 a.C.-17 d.C.),
eles teriam celebrado a arte de amar. A arte,
talvez -mas a maneira? Será que os romanos
realmente eram os bon vivants esclarecidos,
livres em seus costumes e seus pensamentos, que nos levam a crer em suas estátuas de nus que não escondem o
sexo, em seus poemas eróticos, suas elegias e a reputação de alegre decadência que compõem nossos clichês a
seu respeito? Liberados, os romanos? Abertos?
Diga isso a Paul Veyne, um dos grandes especialistas
no mundo antigo. Ele responde com gargalhadas. Não,
ele nos explica, os romanos não eram fiéis às belas imagens deles. A realidade era o contrário. Entre eles, as relações entre homens e mulheres, homens e homens, homens e escravos, mais lembravam relações de poder.
Mas isso não impedia os romanos de serem cristãos antes do tempo, e até mesmo puritanos.
Não poderíamos encontrar mais bela imagem do casal na Antiguidade que a de um marido e mulher romanos pintados sobre um muro de Pompéia, que nos olham, até hoje, com seu sorriso enigmático. Devemos enxergar nele algo de dissimulação? De serenidade? O amor faz parte disso?
É um casal de romanos ricos, apresentado numa atitude supostamente natural. Eles são casados, já que a
mulher segura lousinhas e um estilete, o que indica
que ela sabe ler, que é culta, distinta, e que se faz
questão de mostrá-lo. Naquela época, apenas as mulheres casadas teriam recebido uma educação liberal; as concubinas eram analfabetas. O que temos aí é
um casal modelo, tal como é concebido no mundo
da aristocracia antiga, um século antes da era cristã:
duas pessoas que estão juntas para oferecer à cidade
bons cidadãos que vão perpetuar a ordem social e a
linhagem.
Eles se amam?
Não se trata de amor, mas de casamento, o que é
bem mais sério. O casamento é um dever do cidadão, e é de bom tom que os casais se entendam.
Quando são representados sobre os sarcófagos,
sempre estão de mãos dadas, como que para sugerir
uma forma de igualdade. Uma fórmula reaparece a
todo momento nos textos: "Vivi com minha mulher
por 25 anos sem desentendimentos, sem razões para
me queixar dela". Isso significa que ela foi fiel. Os
moralistas severos acrescentariam que o marido deve tanta fidelidade quanto a mulher. Essa é, pelo menos, a moral oficial. Mas nossos marido e mulher
não passam de símbolos sutis, de belas mentiras.
Quer dizer que a imagem não corresponde à realidade?
O mundo romano é o mundo da escravidão. A mulher é apenas uma "pequena criatura", como dizia o
filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) quando
se referia a pessoas que desdenhava. É espancada,
por vezes. Quando é bem tratada, o é em função de
seu dote ou de seu pai nobre. A mulher está ali para
fazer filhos e aumentar o patrimônio. Ela não passa
de uma ferramenta do trabalho de cidadão, de elemento que faz parte da casa, como o são os filhos, os
escravos libertos, os clientes e, no último degrau da
escala, os escravos.
Sêneca (55 a.C.-40 d.C.) escreveu: "Se teu escravo,
teu escravo liberto, tua mulher ou teu cliente começam a responder, tu te enraiveces". E admite-se que
o senhor trace todas as suas pequenas escravas e seus
pequenos escravos. Eles estão lá para isso! Faz-se
com eles o que se quer. Meninos ou meninas. Defloram-se as meninas. Ou, então, se escolhem os garotos, que criam menos dificuldades. Mas, atenção! Se
você é casado e tem filhos bastardos, ninguém deve
dizer que essas crianças são filhas do senhor da casa,
mesmo que todos estejam sabendo disso.
Como se comportam os não-casados?
Alguns senhores preferem uma união de segunda
ordem com uma mulher inferior, uma escrava liberta, com a qual viverão em concubinato. É uma opção
perfeitamente reconhecida. A diferença é que os filhos resultantes dessa união não serão herdeiros do
pai. A grande dúvida é a seguinte: será que me contento com meu harém de escravos, com minha escrava liberta favorita; ou será que me caso, ajo como
homem sério, para gerar cidadãos de pleno direito para o Estado?
Sêneca descreve nos seguintes termos aquele que hesita: "Modo vult concubinam amare, modo mulierem" -ele quer às vezes uma concubina, às vezes
uma esposa, e nunca chega a se decidir. Assim, o casamento é um ato cívico, quase militar, à medida que
os dois aspectos se confundem entre os romanos.
Mas é privado: não se passa diante do equivalente de
nenhum juiz ou padre, não se assina nenhum contrato, exceto pelo contrato do dote, quando existe
um. Quanto à herança, ela é quase totalmente livre.
O divórcio se dá da mesma maneira: quando as pessoas assim o querem.
Imagina-se que a mulher, essa pequena criatura, não disponha dessa possibilidade.
Engano seu! É verdade que o mundo romano é profundamente machista. Mas a mulher é mais livre do
que no mundo grego, onde é tratada como uma
criança irresponsável. Em Roma, ela pode divorciar-se quando quiser. Assim, pode acontecer de o marido nem sequer saber se está casado ou divorciado.
Messalina, sentindo-se entediada ao lado do imperador Cláudio, divorciou-se dele e se casou com outro
sem informá-lo disso! Normalmente convém mandar uma carta ao cônjuge para avisá-lo nem que seja
apenas por cortesia... Ocorre com frequência de uma
mulher rica, mas não casada, exercer a "profissão"
de mulher mantida. Se um homem mantém uma relação com ela, ela tem o direito de exigir uma pensão.
Se for viúva, administrará seus bens ela própria e terá toda a liberdade para redigir seu próprio testamento. Em Roma, a "caça às viúvas" era uma das
formas mais comuns de acumular fortuna.
E o adultério, era tolerado?
Tudo dependia dos maridos. Os que fechavam os
olhos para isso não eram bem-vistos. As pessoas não
riam dos cornudos, mas os culpavam por sua falta de
firmeza com relação a suas mulheres. Eles não eram
vistos como bons cidadãos ou bons chefes. A mentalidade romana é sempre ligada à figura do chefe. Se o
marido surpreende sua mulher com um amante, então tudo é permitido. Ele pode ordenar que os escravos e toda a criadagem urinem sobre ele ou, mais radical, pode infligir ao amante o tratamento dado a
Abelardo: a castração. E o fará na total legalidade.
O casal é idealizado, a mulher é vista como inferior, mas
ainda se permitem certas liberdades a ela. Parece paradoxal.
Mas é o que acontece. Não se deve procurar coerência nessa moral. Um detalhe duro, que nos relatam Marcial e Sêneca, mostra algo que parece inverossímil: o jovem marido não deflora sua mulher logo na
primeira noite -ele a sodomiza. E isso na melhor
sociedade! É algo que se aproxima do mundo muçulmano. A noite de núpcias é o estupro legalizado.
Na zona rural, as moças são empurradas num canto
e violentadas; eventualmente, o responsável se casa
com elas. Também ocorrem os estupros em grupo.
Os torcedores dos gladiadores, por exemplo, frequentemente semeiam o terror. A cortesã é frequentemente a vítima. "Ela está ali para isso..."
É isso o civismo do qual o senhor falava, que se confunde
com a ordem militar? Ser um verdadeiro chefe, mesmo na
cama? É uma ideologia militar!
Totalmente. Roma é uma sociedade militarista. Virtude, eles não têm. Organização, tampouco. Quando
se diz que a sociedade imperial romana é genial em
sua organização, é risível. Havia uma guerra civil a
cada mudança de reinado.
Mas os romanos nasciam com a convicção de que tinham sido feitos para comandar o mundo, as mulheres e os escravos. Desde muito cedo os garotos já
frequentavam os bordéis, encorajados pelos poderes
públicos. Um dia, Catão, o Censor, homem severo,
viu garotos jovens entrando numa casa de tolerância. Disse a eles: "Muito bem! É melhor do que ir deitar-se com mulheres casadas!". O importante é não
semear a desordem nas famílias.
Seria correto dizer que a sociedade romana era devassa?
[Paul Veyne ri alto] Isso é de chorar de rir. Não, de
maneira nenhuma! As pessoas imaginam a Antiguidade como o "Satyricon", o de Petrônio (?-66 d.C.) e
Fellini [cineasta italiano que fez o filme "Satyricon"
em 1969]. Era exatamente o contrário. O mundo romano é um mundo muçulmano antes da hora. É totalmente puritano. Justamente essa é a razão do
"Satyricon": ele descreve não o que se faz, mas aquilo
que não se faz e com que as pessoas sonham em fazer. As pessoas fantasiam com isso, como faz hoje um adolescente diante de uma revista pornô.
Na realidade, a censura dos costumes é forte. As pessoas só fazem amor à noite, sem acender lâmpadas (caso contrário, dizem, sem acreditar nisso, isso sujaria o sol). Apenas os libertinos fazem sexo durante o dia. Assim o homem honesto nunca chega a ver sua mulher nua, exceto, possivelmente, no banho...
Talvez ele tenha um pouco de sorte à noite, se o luar
penetrar no quarto e revelar um pouco de nudez. É o
grande clichê dos poemas.
Mas e essas estátuas nuas nas ruas, nos palácios?
Elas mostram até que ponto o imaginário difere dos
comportamentos reais e do discurso oficial. Com as
estátuas das deusas, os romanos criaram da mulher
a idéia mais nobre, mais sensual, a mais distinta possível: Juno é uma grande dama, Vênus, um esplendor, Diana, uma caçadora independente... O imaginário voa longe. Mas ele não tem nada a ver com o
discurso cívico, os usos escravagistas e as práticas
puritanas. O abismo entre o machismo dos romanos
e sua imaginação nobre é considerável.
Então, na realidade, os tabus sexuais eram muitos?
Muitos gestos de amor são totalmente repudiados (é
a razão pela qual os textos se fartam de falar sobre
eles). É o caso especialmente da felação e, sobretudo,
da cunilíngua, que desonra o homem porque ele se
coloca a serviço da mulher.
Havia três horrores supremos para um romano: deitar-se com sua irmã, deitar-se com uma vestal e fazer-se sodomizar. São três coisas que ele atribuía aos
tiranos, como Nero e Calígula (que era um demente
precoce). Para os homossexuais, o importante era
eles próprios penetrarem sem serem penetrados.
É preciso dominar sempre. Um escravo não conta;
ele está lá para ser consumido. Já um homem livre
não deve se deixar dominar. Ele tem sua dignidade!
O que os romanos mais condenam é a fraqueza. Se
você é sensível demais à feminilidade, se você usa
sua boca para dar prazer a alguém, então é fraco.
E o prazer feminino?
O prazer da mulher é o mal. Um texto afirma: "É melhor deitar-se com mulheres escravas ou libertas, porque, se você começa a jogar o jogo do adultério
mundano com as mulheres do mundo, é obrigado a
fazer com que tenham prazer". Com o desejo delas,
as mulheres desviam os homens do dever, diz-se. O
prazer feminino é um abismo de histeria; o prazer
masculino é uma fraqueza da qual não se fala.
Uma coisa ficou de fora dessa história tão dura, uma palavra que mal ouso pronunciar: o amor.
Para os romanos, o amor é o grande perigo. O domínio de si, em estilo militar, significa que não se deve ceder aos sentimentos. Um homem que se interessa
demais pelas mulheres não tem nenhum controle
sobre si mesmo. Não é um homem. A paixão é boa
para os poetas. Nos romances, conta-se a história de
um homem e uma mulher apaixonados que vivem
as peripécias mais inverossímeis: a mulher é vendida
por criminosos, mas, no momento em que está prestes a ser violentada, Júpiter fulmina os criminosos
com um raio. Ela escapa e continua virgem. Eles se
casam e vivem felizes. Mas é apenas um romance.
Então, de repente, por volta do século 2º de nossa era, os
romanos adotam uma nova moral.
Sim. É uma mudança misteriosa que acontece um
pouco antes do ano 200, na época de Marco Aurélio.
Uma outra Antiguidade começa. Tudo se endurece.
Os maus hábitos e usos começam a ser proibidos,
sendo que até então eram apenas vistos como risíveis. Pouco a pouco surge um sentimento de hostilidade muito grande em relação ao aborto e a seu
substituto, a exposição de bebês, que era comum e
quase oficial. As viúvas que dormem com seus intendentes passam a ser estigmatizadas.
Começa-se a combater o homossexualismo. O entendimento no casamento, que era apenas algo desejável, torna-se um contrato mútuo (embora ainda
não se trate de amor). O adultério do marido passa a
ser visto como tão grave quanto o da mulher. Marido e mulher devem ser castos, não trocar carícias demais, devem manter relações apenas para procriar.
A sexualidade existe para fazer filhos! Os romanos
inauguraram o casal puritano. Eles inventaram a
moral conjugal.
Mas é o casamento cristão que o senhor descreve!
Exatamente. O casamento dito "cristão" surgiu antes dos cristãos! Estes se contentaram em adotar e tornar ainda mais rígida a nova moral pagã, o estoicismo de Marco Aurélio, acrescentando a ele seu próprio ódio ao prazer. Dizer que o cristianismo é a base de nossa moral não faz sentido nenhum. Foi
sob os romanos que nossa moral surgiu, por razões
que ignoramos. Mas os usos demoram a mudar.
Paulin de Pella, cristão aristocrata gaulês, diria a seguinte frase admirável no século 5º: "Quando eu era jovem, me entreguei bastante ao amor, mas, vejam
bem, eu me deitava apenas com minhas escravas".
Ou seja, ele se conservou casto. Isso diz muito sobre
a evolução da moral.
Em seguida houve a decadência do Império Romano. Depois de tê-lo escutado, suponho que nossas idéias com relação a esse fim estejam equivocadas. Mesmo no fim do império não havia orgias ou bacanais?
É claro que não! Pelo contrário, a situação se torna
ainda mais rígida: no ano de 394, um imperador cristão manda prender todos os prostitutos dos bordéis
de Roma e ordena que sejam queimados em praça
pública. No mesmo ano é incendiada a primeira sinagoga. No mesmo ano, desembarca em Cartago
um homem encarregado de demolir os templos pagãos. Começa a perseguição aos hereges. É a proibição do paganismo. Daquele momento em diante, a
ordem sexual passou a imperar.
Tradução de Clara Allain.
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