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A CASA PRIMORDIAL
Mauricio Puls
da Redação
Onde começa a arquitetura? A
dúvida surge quando nos defrontamos com edificações
malogradas, que não conseguiram atingir a pretendida beleza. Toda
forma de avaliação estética, porém, pressupõe a existência de um padrão de medida: para julgar uma construção real,
recorremos a uma construção ideal. Esse
paradigma varia ao longo da história,
mas situa-se sempre num passado mítico: os atributos que consideramos indispensáveis a um prédio moderno estão
presentes, paradoxalmente, na construção primordial.
"A Casa de Adão no Paraíso", de Joseph Rykwert, constitui uma investigação audaciosa e cativante sobre a história
desse paradigma -a cabana primitiva.
Sua tese central é a de que todos os povos
imaginaram uma morada original, resultante da intervenção de um deus ou de
um herói, que guardava uma afinidade
essencial com o homem e a natureza. A
seu modo, cada época projetou essa estrutura basilar, esse "edifício ideal que
existiu antes dos tempos, quando o homem sentia-se inteiro em sua casa, e sua
casa era tão justa quanto a própria natureza". Sendo por princípio o edifício perfeito, é o arquétipo que empregamos inconscientemente para calcular a distância entre a arquitetura que vemos e aquela que gostaríamos de contemplar.
Quando o presente se torna insatisfatório, sentimos a necessidade de explicitar
esse modelo, para nortear uma renovação das práticas construtivas.
Em 1924, por exemplo, a morte de Lênin obrigou os dirigentes soviéticos a erguer um monumento. Após a desmontagem de uma construção provisória, levantou-se nesse mesmo ano um mausoléu na praça Vermelha, inicialmente de
madeira, que foi vertido em pedra em
1930. Seu arquiteto, Anastas Schusov,
concebeu a obra nos moldes do túmulo
de um "líder primitivo das estepes mongólicas". Todos os períodos revolucionários extraem seus ideais de um passado
longínquo: como ensinava Hegel, avançar é regressar ao fundamento.
Iniciando seu estudo pelo modernismo, Rykwert analisa as reflexões de Le
Corbusier, Frank Lloyd Wright e Adolf
Loos sobre as primeiras vivendas, e exibe
a cabana de madeira construída por
Walter Gropius, fundador da Bauhaus.
Em seguida, caminhando sempre para
trás, passa em revista as concepções de
John Ruskin, Gottfried Semper, Marc-Antoine Laugier e Claude Perrault, Palladio e Sêneca, até alcançar Vitrúvio. Para
cada teórico, a essência da arquitetura
estava presente nessa construção original. Como é impossível determinar qual
teria sido a primeira casa, os pensadores
estavam livres para atribuir a essa construção especulativa todos os predicados
que consideravam indispensáveis a um
bom edifício, mas que se manifestavam
de forma incompleta ou imperfeita nos
imóveis que conheciam.
Veja-se por exemplo a análise de Filarete, no século 15, sobre o tema: "Deve-se
supor que, quando Adão foi expulso do
Paraíso, estava chovendo. Como não
possuía um abrigo à disposição, ele colocou suas mãos acima da cabeça para proteger-se da água... Deve-se admitir portanto que Adão, tendo feito para si, com
as duas mãos, um telhado, e considerando a necessidade de sobrevivência, refletiu e se aplicou em construir algum tipo
de habitação que o protegesse das chuvas, bem como do calor do Sol". Dessa
hipótese brilhante, Filarete deduz que toda construção deve seguir as proporções
do corpo humano, que constituem o
fundamento das ordens arquitetônicas.
Rykwert conclui observando que o retorno à origem é uma preocupação constante em toda a evolução: a reflexão sobre a primeira casa é, essencialmente,
uma reflexão sobre o significado da arquitetura. Essa avaliação visa a repensar
o valor de nossas obras e modos de construir e abrir caminho para sua transformação. Por isso sempre retornamos a essa cabana primitiva, situada "além do alcance do historiador ou do arqueólogo,
em algum lugar que devo chamar de Paraíso. E o Paraíso é uma promessa, tanto
quanto uma rememoração".
A Casa de Adão no Paraíso
288 págs., R$ 37,00
de Joseph Rykwert. Trad. de Anat Falbel, Ana Gabriela Godinho de Lima, Margarida Goldsztajn e Mário H.S. D'Agostinho. Editora Perspectiva (av.
Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000,
SP, tel. 0/xx/11/ 3885-8388).
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