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PASSADOS DE UMA ILUSÃO
ESTUDO PUBLICADO NA
ARGENTINA DECIFRA
A IDEOLOGIA QUE ESTÁ POR
TRÁS DO ENSINO DE HISTÓRIA
NAS ESCOLAS DO PAÍS
Sylvia Colombo
Editora do Folhateen
No filme "A História Oficial" (Luis Puenzo, 1985),
a atriz Norma Aleandro interpreta Alicia, uma
professora de história que desconhece o fato de
que, durante a ditadura militar argentina, pessoas haviam desaparecido. Um livro lançado agora na Argentina evoca a tomada de consciência da professora Alicia. Em "La Argentina en la Escuela" (A Argentina na Escola), o historiador Luis Alberto Romero, 59, rastreou os
livros escolares usados nas escolas argentinas em busca de
construções do passado que se percebem hoje na sociedade e que fazem parte da identidade nacional.
Leia a entrevista que Romero, autor de "Breve Historia
Contemporánea de la Argentina" e filho de José Luis Romero, autor do clássico "América Latina - As Cidades e as
Idéias" (que acaba de ser publicado no Brasil pela ed.
UFRJ), concedeu ao Mais!, de Buenos Aires.
Quais as conseqüências mais graves de interpretações feitas pelos livros escolares que se podem notar na sociedade
argentina hoje?
O fato de se ter construído um passado para justificar
uma espécie de "unidade essencial da nação". Na narrativa histórica argentina sempre houve a presença de
"algo" que unificava todos os argentinos e que nos tornava distintos dos outros. É um conceito que deu a toda a nossa vida política e cultural, até hoje, uma dimensão de tensão que é facciosa e irritante. Ele está, inclusive, por trás de muitos de nossos males políticos.
Esses livros apresentam a ruptura com a Espanha como se
tivesse sido um desdobramento natural. Amenizar o rompimento e mostrá-lo quase como uma continuidade não foi
contraditório em relação à idéia de construção de uma nova
pátria, com a independência?
Esse é um tema ainda em disputa na Argentina, e é a razão pela qual tudo o que tem a ver com nossa identidade é tão conflitante. Houve duas versões. Uma dizia
que, com a revolução de 1810, uma nova nação havia
nascido, rompendo com a Espanha. Mas logo surgiu
com muita força a versão da corrente hispanista. Esta
definiu a nossa nacionalidade em termos de continuidade da raça hispânica, reforçando o traço católico, e
tratou de atenuar a ruptura, tentando mostrar que se
tratara de um desprendimento natural. Essa corrente
foi muito difundida pelos livros escolares.
Já o que os historiadores dizem hoje -e o que nos faz
olhar com mais distância para os manuais e a entender
o quanto há de construção nesses relatos- é que a
ruptura, na cabeça dos que viveram aquela época,
aconteceu gradualmente e que, só ao cabo de alguns
anos, houve uma percepção mais generalizada de que a
Argentina havia se separado da Espanha.
Essa corrente hispanista justificava a importância do Exército como ator político, não é?
Histórias paralelas. A corrente hispanista combina
com a interpretação feita pela Igreja Católica. A igreja,
nas décadas de 20, 30 e 40, tentava definir a Argentina
como uma nação católica. E isso a levava a exaltar nossa relação com a Espanha. Já o Exército tem sua própria maneira de contar a história, e ela também se
apóia na continuidade. Na sua versão, a história se vincula ao território.
E aí, de novo, a idéia da "unidade essencial da nação"?
Exatamente. O Exército defende que há um território
argentino preexistente a tudo. Essa idéia fez com que
todas as nossas questões sobre limites e fronteiras fossem vividas com uma dramaticidade enorme, como foi
na Guerra das Malvinas. Se perdemos um fragmento
do país, parece que isso é essencial para nosso destino
nacional.
Como a Guerra das Malvinas é ensinada hoje nas escolas?
É questão deixada entre parênteses por causa de nossa
história política recente. A democracia argentina nasceu graças à derrota nas Malvinas. Com ela, o Exército
derrubou a si mesmo. E a pergunta que deveríamos ter
feito, mas não fizemos para que não existisse divisão de
opiniões, é: o que desaprovamos na ação do Exército?
Desaprovamos o fato de ter ido à guerra ou de tê-la perdido? Ninguém quis discutir isso porque era importante manter uma unidade de forças sociais contra os militares, e essa pergunta dividiria opiniões. Mas é um equívoco continuarmos sem discuti-la. Precisamos saber se
seguimos acreditando que as Malvinas são nossas por
razões históricas.
É muito inquietante dar-se conta de que não falamos
sobre isso. Assim, não se pode descartar que um general louco em algum momento volte a reivindicar as
ilhas e nos arraste a um novo conflito.
No livro, é dito que o Brasil figura nos relatos escolares como uma força estrangeira ameaçadora e que, ao final, a impressão que fica é a de que os argentinos não podem com os
brasileiros. Por quê?
O Brasil é grande, a Argentina é pequena, e há algo que
parece para nós estar escrito como lei, que é a idéia de
que o Brasil deve um dia avançar sobre a Argentina. Na
verdade, é possível sintetizar essa espécie de síndrome
em relação ao Brasil com duas palavras: soberba e paranóia. Nós acreditamos que somos os melhores, mas,
como na realidade nos damos mal, isso deve ser porque
alguém nos causa danos. E, na lista daqueles que só
existem para nos causar danos, o Brasil ocupa um lugar
importante.
Há também o fato de a interpretação antiimperialista
sempre ter considerado o Brasil um agente do imperialismo britânico. A combinação de geopolítica, antiimperialismo -agregando o fato de que a Inglaterra é
protestante- e a presença de muitos judeus no Brasil
resultou num composto explosivo. Parecia natural, historicamente, que o Brasil pudesse um dia acabar com a
Argentina católica.
La Argentina en la Escuela
238 págs., 23 pesos
de Luis Alberto Romero. Ed. Siglo Veintiuno (Argentina).
Onde encomendar
Livros em espanhol podem ser encomendados, em São Paulo, na
Letraviva (tel. 0/xx/11/3088-7992) ou, pela internet, no site
www.elateneo.com.ar
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