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ENTREVISTAS MOSTRAM QUE OS EUA SE DESTACAM PELAS CONDIÇÕES DE TRABALHO EXCEPCIONAIS OFERECIDAS AOS PESQUISADORES EM CIÊNCIAS HUMANAS, MAS SÃO MAIS EXIGENTES COM A PRODUÇÃO ACADÊMICA, E APONTAM QUE OS SALÁRIOS PAGOS AOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS FRANCESES E ALEMÃES EQUIVALEM ÀQUELES DOS BRASILEIROS
CÉU INFERNO
Marcos Flamínio Peres
Editor-adjunto do Mais!
0 Primeiro Mundo não é exatamente o paraíso da pesquisa e do
ensino em ciências humanas nem o Brasil é o pior dos mundos possíveis para o trabalho de historiadores, filósofos, críticos literários, antropólogos e cientistas políticos.
Essas são algumas das conclusões inesperadas e estimulantes tiradas
das respostas dadas por 11 intelectuais brasileiros a um questionário
proposto pelo Mais!. Radicados em países tidos como centros mundiais
de excelência, importantes nomes das ciências humanas brasileiras
-como a historiadora Katia Mattoso, a antropóloga Manuela Carneiro
da Cunha e o filósofo Ruy Fausto- avaliam a qualidade do ensino, da
pesquisa e as condições de trabalho nas universidades em que lecionam
ou lecionaram. Pelo fascínio e influência que exercem sobre boa parte
da intelligentsia nacional, foram privilegiados depoimentos de quem
ensina ou ensinou na França e nos EUA (quatro de cada país), seguidos
de Alemanha, Espanha e Israel (um de cada).
Se futebol e Carnaval ainda são vistos como genuinamente brasileiros,
o mito do país eternamente festivo tem passado a conviver, ultimamente, com a imagem oposta, da terra "onde impera a pobreza e a criminalidade", lembra Mattoso, que foi a primeira professora da cátedra de história do Brasil da Sorbonne. Mas, para Luiz Felipe de Alencastro, que lhe
sucedeu, a maturidade política demonstrada pelo país tem ajudado a
modificar essa percepção: "No meio universitário há respeito pelo Brasil. Estive durante um semestre na Universidade Brown (EUA) e também tive essa impressão".
No quesito salário, a disparidade entre aqueles praticados aqui e lá fora é menor do que se poderia supor. Para Manuela Carneiro da Cunha,
professora na Universidade de Chicago e um dos grandes nomes da antropologia brasileira, "o salário e a consideração que se tem por um professor são sem dúvida mais altos do que no Brasil. Também se trabalha
muito mais, mas as condições são consideravelmente melhores". Essa
perspectiva é relativizada por Lidia Santos, que ensina literatura desde
1995 na prestigiosa Universidade Yale: "O privilégio das glórias individuais gera poucos altos salários, pagos às "estrelas", cabendo à massa do
professorado uma realidade salarial semelhante à brasileira".
Para o crítico Leopoldo Bernucci, que trocou recentemente a Universidade do Colorado pela do Texas, os aumentos salariais nos EUA tomam como base "a produção acadêmica, o ensino e os serviços". Mas
"predomina ainda o moto "publish or perish" (publique ou pereça)",
conclui.
Já na Alemanha e França, os salários são semelhantes aos pagos no
Brasil, afirmam Ligia Chiappini, professora de literatura brasileira na
Universidade Livre de Berlim, e o filósofo Ruy Fausto, professor na Universidade de Paris 8. "Mas", complementa Fausto, "aqui a seguridade
funciona, o que muda tudo".
Quanto às condições de trabalho, os grandes diferenciais apontados
quase por unanimidade são a qualidade das bibliotecas, o acesso à tecnologia e o contato intenso com pesquisadores do mundo todo. Isso
"permite a formação de especialistas com formação mais sólida", diz
Yara Frateschi Viera, que leciona lírica medieval galego-portuguesa na
Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.
É de mesma opinião o cientista político Alfredo Valladão, professor no
Instituto de Estudos Políticos de Paris. Mas ele adverte que, tanto na
França quanto no Brasil, a "carreira universitária é muito rígida, com
muitos formalismos".
Gláucio Soares vai ainda mais longe nas críticas que tece à estrutura
hierárquica das universidades brasileiras: "Não há controle, tudo é burocrático: entrou, ficou, trabalhe muito, pouco ou nada". Mas ele ressalta a "competência" técnica dos pesquisadores brasileiros.
O grande trunfo da vida universitária brasileira em relação à Europa,
segundo Mattoso e Chiappini, é o fomento à pesquisa -mais amplo e
transparente do que na França ou Alemanha.
Chiappini elogia a eficiência dos órgãos financiadores, como o CNPq,
a Capes e a Fapesp. Na Alemanha, ao contrário, afirma ela, "os projetos
são julgados segundo critérios pouco transparentes e pouco ou nada democráticos".
Mas, se as condições materiais não são tão adversas e a competência
dos pesquisadores é um fato, por que a produção intelectual brasileira
dá a impressão de estar encistada? Uma resposta possível é sugerida por
Marcelo Dascal, professor de epistemologia na Universidade de Tel
Aviv, em Israel, e fora do Brasil desde 1964. Para ele, o pesquisador brasileiro tem que "sair do seu ninho protetor local e confrontar seu trabalho
com a crítica internacional -única forma de deixar de reinventar em
português aquilo que já foi inventado alhures".
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