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RUY FAUSTO
[FRANÇA]
1. Eu era "instrutor" (espécie de pré-assistente
não-doutor) no departamento de filosofia da
Universidade de São Paulo. Mas nós todos tínhamos, no departamento, um peso maior do
que sugeriam os cargos.
2. O Ato Institucional nš 5 (13/12/1968) e o início
de uma repressão muito violenta contra a esquerda. Eu já estava fora de casa, por causa das
minhas intervenções na universidade, quando
a pessoa com quem então eu estava casado foi
presa. Por engano ou milagre, ela foi solta alguns dias depois. Quando voltaram a procurá-la, decidimos deixar o país.
3. Na França, há bastante tempo se fala da violência no Brasil. E se acompanhou com muito interesse a mudança de governo.
4. Os salários são semelhantes, mas aqui a seguridade social funciona, o que muda tudo. Sobre
as condições de trabalho, ver abaixo.
5. Na França, a filosofia existe há pelo menos 500
anos. No Brasil, acho que ela não tem 50. Mas
os nossos melhores especialistas não são piores
do que os franceses. A França ganha pela quantidade. Entretanto é claro que isso se reflete, de
algum modo, na qualidade.
6. Sim, mas isso não teve nada a ver com a minha
condição de brasileiro. É preciso não exagerar
esse aspecto. Continua-se pensando a França
(como também outros países) muito "em bloco", o que em geral leva a sobrevalorizar o que
se faz lá. No que se refere à universidade, há, na
França, coisas boas, muito boas, más, muito
más, conforme a universidade ou o departamento que se considere. Conto a minha história. Trabalhei durante 27 anos na Universidade
de Paris 8 (Vincennes, depois Vincennes-Saint-Denis). O departamento de filosofia era o
famoso departamento "gauchista" da Universidade "gauchista" de Vincennes, em que ensinavam Deleuze, Lyotard e Châtelet. Era um delírio anarquizante, em que cada um fazia o que
queria, o que nunca apreciei muito; mas a verdade é que não era impossível realizar um trabalho sério dentro dele. A coisa se complicou
depois, conforme os "pais fundadores" foram
morrendo ou se aposentando. Convidaram para a direção do departamento um professor que
ensinara no Canadá. Apoiando-se no mito do antigo departamento de Vincennes, em pouco tempo ele cristalizou um lobby de amigos e clientes a
quem servia em troca de uma fidelidade total. O
interesse do departamento era a última coisa em
que pensava. E aqui entra a pergunta a propósito
da discriminação e da marginalização, se estas forem tomadas, como convém, no seu sentido mais
geral. Juntamente com alguns colegas, fui manifestando as coisas reversas, o que em pouco tempo nos marginalizou. Basta dizer que, embora tivéssemos obtido a muito difícil "qualificação"
nacional -título prévio à nomeação- para o
cargo de professor nível A (o equivalente ao nosso "titular"), jamais fomos escolhidos em concurso para esse cargo. Claro que essa marginalização
não teve nada a ver com a nacionalidade. Mais
ainda: a crise chegou ao seu clímax no momento
em que o diretor quis impor como "maître de
conférences" (mais ou menos o "livre-docente"),
e em condições de semilegalidade, uma cupincha
sua -de nacionalidade estrangeira- cujos méritos científicos eram menos do que médios. O
nosso candidato era francês. Pois os defensores
da candidata redigiam manifestos em que se
queixavam da discriminação contra os estrangeiros. Falavam até do caso Dreyfuss. Como se vê, as
coisas são mais complicadas do que se pensa. Salvo erro, o corte não era, ali, entre franceses e estrangeiros, mas entre "picaretagem" e trabalho
sério. Quanto à situação dos estrangeiros na universidade francesa, ela melhorou muito. Hoje um
estrangeiro pode ocupar todos os cargos. Claro
que, de um modo geral, sua carreira é, efetivamente, mais difícil. Mas não como há 20 anos.
7. Passo nove meses por ano na França e três no
Brasil. A proporção poderá se alterar, mas não
penso em voltar. Minha filha, com dupla nacionalidade -como eu-, entretanto bem mais
francesa do que brasileira, faz seus estudos na
França. Além disso, estou acostumado com a vida neste país. Aproveito muito as grandes bibliotecas, que não existem no Brasil. O corte com a
nossa terra não é mais tão grande: quase todos os
dias, via internet, leio, ou pelo menos "espio",
dois jornais brasileiros.
Estou acostumado com a vida na França; aproveito muito as grandes bibliotecas, que não existem no Brasil
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Filósofo, 68
Universidade de Paris 8
Deixou o Brasil em: 1969
Principais obras: "Marx - Lógica e Política"
(ed. 34) e "Dialética Marxista, Dialética Hegeliana" (ed. Paz e Terra)
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