|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O ecossistema do Paraíso
ESTUDIOSO DA HISTÓRIA DAS RELIGIÕES E EDITOR DA "ATLANTIC MONTHLY", TOBY LESTER DISCUTE AS NOVAS FORMAS DA FÉ E COMENTA A EXPLOSÃO DA "TEODIVERSIDADE" NAS SOCIEDADES MODERNAS
|
Caio Caramico Soares
da Redação
Assim na terra como no céu. Se as espécies biológicas nascem, crescem e morrem conforme se adaptam mais ou menos ao seu hábitat natural, a mesma lógica pode ser aplicada às diferentes religiões, em sua multissecular concorrência
para "povoar" almas necessitadas de crenças. Daí a justeza de falar, segundo Toby Lester, em "teodiversidade". Editor sênior da prestigiada revista norte-americana "Atlantic Monthly" -onde acaba de publicar ampla
pesquisa sobre o assunto-, Lester afirma, na entrevista
a seguir, que a situação da religião no novo milênio é
bem distinta do que diriam as profecias cientificistas da
virada do século 20. Ao invés de desaparecer sob o
triunfo da "razão", a fé volta à tona sob tons e matizes os
mais diversos.
Segundo a "World Christian Encyclopedia" (ed. Oxford), são quase 10 mil as religiões hoje em todo o mundo. E elas não param de crescer: a cada dia surgiriam, em média, mais duas ou três. E a "criatividade" dos credos em oferta nesse mercado é quase infinita: há desde
movimentos neopentecostais até o culto a discos voadores (leia quadro na página ao lado). Buscando captar e traduzir a autêntica mensagem divina -supostamente distorcida e fossilizada pelas grandes religiões-, tais grupos atraem jovens de inclinação "espiritual", mas pouco afeitos a imposições moralistas ou pregações
muito rígidas. Daí o apelo a binóculos que façam ver
Buda, Jesus e os orixás sobre um mesmo olimpo.
Além de fascínio, esses "novos movimentos religiosos" (NMRs), como dizem os sociólogos, também despertam temor: desde o atentado ao metrô de Tóquio,
cometido pela seita Aum Shinrikyo (Verdade Suprema)
em 1995, autoridades do FBI (polícia federal dos EUA) e
da Scotland Yard (polícia britânica), entre outras, monitoram constantemente os passos de grupos suspeitos
de "fanatismo" e de "aversão" ao mundo civilizado,
acusações não por acaso dirigidas também a Osama bin
Laden e a sua rede terrorista, a Al Qaeda.
Lester também diz que o catolicismo não está em decadência, mas em transição, da qual um (bom) sinal seria o que ele vê como tendência de "abertura" da Igreja
Católica a táticas -como o uso maciço da mídia- típicas de seus concorrentes menos tradicionais.
O que significa "teodiversidade"?
Ao cunhar esse termo eu tentei traçar um paralelo
com a noção de "biodiversidade" e tudo o que ela
implica. Tentei chamar a atenção para a magnitude
chocante que a diversidade religiosa assumiu no
mundo atual. E -como se dá com a biodiversidade- a própria existência da diversidade e a competição que ela engendra significam que há um tipo de
ciclo darwiniano de nascimento, mutação, evolução
e morte ocorrendo constantemente no mundo religioso, o que permite às novas formas de religião se adaptarem rapidamente a realidades sociais em
transformação.
muito rígidas. Daí o apelo a binóculos que façam ver
Buda, Jesus e os orixás sobre um mesmo olimpo.
Além de fascínio, esses "novos movimentos religiosos" (NMRs), como dizem os sociólogos, também despertam temor: desde o atentado ao metrô de Tóquio,
cometido pela seita Aum Shinrikyo (Verdade Suprema)
em 1995, autoridades do FBI (polícia federal dos EUA) e
da Scotland Yard (polícia britânica), entre outras, monitoram constantemente os passos de grupos suspeitos
de "fanatismo" e de "aversão" ao mundo civilizado,
acusações não por acaso dirigidas também a Osama bin
Laden e a sua rede terrorista, a Al Qaeda.
Lester também diz que o catolicismo não está em decadência, mas em transição, da qual um (bom) sinal seria o que ele vê como tendência de "abertura" da Igreja
Católica a táticas -como o uso maciço da mídia- típicas de seus concorrentes menos tradicionais.
O que significa "teodiversidade"?
Ao cunhar esse termo eu tentei traçar um paralelo
com a noção de "biodiversidade" e tudo o que ela
implica. Tentei chamar a atenção para a magnitude
chocante que a diversidade religiosa assumiu no
mundo atual. E -como se dá com a biodiversidade- a própria existência da diversidade e a competição que ela engendra significam que há um tipo de
ciclo darwiniano de nascimento, mutação, evolução
e morte ocorrendo constantemente no mundo religioso, o que permite às novas formas de religião se
adaptarem rapidamente a realidades sociais em
transformação.
Quais são os traços básicos em comum entre os "novos
movimentos religiosos"?
Bem, eles nunca emergem do nada -eles tendem a
representar mudanças sociais e espirituais que são
ainda subterrâneas na sociedade e às quais movimentos religiosos maiores e mais "vagarosos" não podem responder rápida e diretamente. Uma segunda característica desses novos movimentos é que eles operam num nível alto de tensão com a sociedade, podendo, porém, ser rapidamente integrados e
considerados "ortodoxos".
Ao contrário do que geralmente se pensa, os adeptos
dos NMRs são, na média, jovens, bem-educados e
relativamente bem situados na sociedade. As razões
para eles se converterem são mais sociais do que teológicas: eles vão porque amigos ou parentes foram
primeiro. É importante notar que a maioria desses
recém-convertidos logo saem, por livre vontade. A
suspeita de que se trata de "lavagens cerebrais" é, em
geral, infundada.
Há diferença entre esses NMRs nos países ricos e subdesenvolvidos?
Claro. A principal diferença talvez seja que, nos países ricos, essas religiões atraem porque as pessoas estão insatisfeitas com a "decadência" da prosperidade, enquanto nos países pobres elas atraem pessoas
que delas esperam uma infra-estrutura social e espiritual que as ajude a sobreviver no dia-a-dia.
Como o sr. explica esse "revival" do sentimento religioso
no presente? Pensadores como Max Weber estavam errados ao predizer o gradual esvaziamento da religião na modernidade?
Muitos dos acadêmicos que consultei não crêem
num "revival". Para eles, o que existe é um constante
vaivém entre diferentes arenas religiosas. Por isso é
difícil endossar a tese de Weber e de outros sociólogos, segundo a qual a religião definharia na sociedade moderna. Mas, e isso dá algum crédito a essa tese, é verdade que, para muitas pessoas em todo o mundo, a religião já não provê uma visão total do mundo.
Em vez disso, transformou-se numa espécie de estilo
de vida que se pode assumir e descartar à vontade.
O extremismo islâmico seria um exemplo de NMR?
Certamente. Quase todos os NMRs professam um "retorno às bases" de um credo ou de outro, extirpando os problemas e excessos que se teriam acumulado ao longo do tempo. Os extremistas islâmicos não fogem à regra. É muito interessante considerar a Al Qaeda como um NMR. Seus membros também são frequentemente jovens, bem-educados e prósperos -pense nos sauditas envolvidos nos ataques de 11 de setembro, sem falar no próprio Bin Laden. Observando as coisas assim, nós evitamos pensar que a Al Qaeda não passa de uma consequência
inevitável do islã, que abriga tanta variedade e divergências internas quanto qualquer outra religião.
O sr. conhece algum NMR no Brasil?
Certamente a umbanda e o candomblé se encaixam nessa categoria, especialmente pelo modo como eles fundem elementos de diversos credos e tradições.
Como a crescente teodiversidade deverá afetar o panorama religioso na América Latina e no Brasil no século 21?
Como dizem os acadêmicos com quem conversei, o
centro de gravidade do mundo cristão está se mudando para o Sul, da Europa e EUA à África e América do Sul. Imagino que as formas brasileiras de cristianismo se tornarão cada vez mais determinantes para a prática religiosa em todo o mundo. Poderemos ver logo uma reversão nos padrões atuais da evangelização -ao invés de missionários do Norte viajando para o Sul para divulgar as Escrituras, o
movimento será o oposto: missionários do Sul viajando para o Norte para tentar converter as populações cada vez mais secularizadas dessa região.
Como poderiam as religiões tradicionais reagir aos NMRs?
A reação mais sensata, para mim, seria não demonizá-los, e sim compreender o que o sucesso deles significa, sem deixar de prestar atenção aos problemas
deles. E acho que é essa a tática que o Vaticano vem
adotando. Em documento recente, o Vaticano se refere a esses NMRs nos seguintes termos: "O dinamismo de seu impulso missionário, a responsabilidade
evangélica imputada aos novos "convertidos", o uso
da mídia, o senso dos objetivos a alcançar deveriam
fazer-nos pensar em como tornar mais dinâmica a
atividade missionária da igreja". É muito surpreendente um discurso como esse por parte do Vaticano.
É possível dizer que o catolicismo está à beira do colapso?
E o cristianismo em geral?
A resposta é não, nos dois casos. Um dos fatores que
sustentaram o cristianismo ao longo dos séculos foi
justamente a sua habilidade em observar e aprender
com esses NMRs.
Como o sr. avalia o pontificado de João Paulo 2º?
O que destacaria no papa é seu endosso a essa abordagem relativamente liberal que a Igreja Católica tem conferido à questão dos NMRs.
Texto Anterior: Livros e CD-Rom abordam religião Próximo Texto: + conheça alguns dos NMRs Índice
|