|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de fuga
Olhos redondos e queixos pontudos
"Otaku", "chibi", "animê" são palavras de iniciados.
Elas pertencem a um universo derivado dos mangá,
quadrinhos japoneses que fazem furor, há décadas, entre os jovens. Otaku denomina os fãs dos animê, filmes
de animação. Chibi são bichinhos imaginários e engraçados, que aparecem com frequência nesses desenhos.
Para quem está de fora, fica difícil entender o vocabulário, as referências, os meandros, que exigem erudição
particular. Adultos, distantes de tudo isso, tendem à
condenação imediata, ao desprezo, sem olhar mais de
perto. Contudo, afastando os preconceitos, muitas dessas animações revelam-se obras-primas de poesia. Algumas estão sendo lançadas, em DVD, pelo Studio Gabia. A primeira foi "Vampire Princess Miyu", que reúne
três dos episódios criados para a TV japonesa pelo casal
Narumi Kakinoushi e Toshihiro Hirano. Miyu é uma
vampiresa, e não uma vampira, já que o "Aurélio" assinala o primeiro como o feminino correto: são os responsáveis pela edição brasileira desse DVD que insistem na forma justa.
Miyu apresenta o aspecto de uma menina. É triste, solitária e nada maligna. Age em benefício dos humanos.
Luta contra os Shinma, entidades que sugam almas,
comprazendo-se com morte e destruição. A violência,
no entanto, é antes latente que exposta; os cenários realistas, ruas, escolas, metrôs, não são investidos por efeitos gráficos espetaculares. Discretos, eles se tingem de
delicadeza e de uma estranha melancolia.
Alice - No recente Festival de Cinema do Rio de Janeiro
foi apresentado um longa de animação realizado por
Hayao Miyazaki: "A Viagem de Chihiro". Com "Totoro", "Porco Rosso", "Princesa Mononoke", o gênio de
Miyazaki foi se impondo cada vez mais ao Ocidente.
"Chihiro", ao mesmo tempo inquietante e bem-humorado, mostra um inacreditável desencadear de situações inesperadas, em que a imaginação parece ter perdido todas as rédeas. Miyazaki conta que não se serve de
um roteiro.
"Não tenho a história terminada e pronta quando começamos a trabalhar num filme. A história começa
quando eu começo a desenhar. Nunca sabemos onde a
história irá. (...) Sem uma história prévia, cada cena torna-se crucial." Isso conduz a uma intensidade constante. O diretor acrescenta: "Há uma ordem interna, as demandas da própria história, que me conduzem à conclusão".
Ele parte sempre do mundo que conhecemos.
Chihiro é uma garotinha de 10 anos que nada tem das
Lolitas tão presentes nos animê. Está indo, com os pais,
de mudança para uma casa nova. No meio do caminho,
encontram uma espécie de parque temático em abandono. Os pais descobrem comida, se empanturram
até... virarem porcos. Há uma casa de banho para deuses cansados, um trem que avança sobre a superfície
aquática, um bebê gigante, filho de bruxa anã e malvada. Há um deus-rio que agoniza por causa das águas
poluídas. Há, ainda, crença nas crianças, que trazem
uma promessa de redenção para os tempos presentes,
grosseiros e materialistas.
Fontes - Hayao Miyazaki discorre: "Penso que crianças também podem sentir nostalgia. É uma das emoções mais compartilhadas pela humanidade. É uma das
coisas que nos fazem humanos e por isso é tão difícil de
definir. Ao ver o filme "Nostalgia", de Tarkóvski, compreendi que a nostalgia é um sentimento universal". E
ainda: "Nós todos nos parecemos com porcos, com
nossas barrigas redondas. Eles são próximos de nós.
Gosto deles".
Penumbra - Faz dois domingos, foi escrito nesta coluna
que a mostra Rugendas, apresentada no Memorial da
América Latina, em SP, parecia mal iluminada. Os organizadores explicam: "A exposição não está mal iluminada. O museu Prussiano e o Instituto Ibero-americano
de Berlim exigiram que a iluminação deveria manter-se
entre 50 a 70 lux para proteger a pintura sobre papel. Na
exposição estamos controlando a iluminação próxima
do máximo permitido, ou seja, 70 lux". Obras frágeis
exigem luz atenuada. Nestes casos, é bastante difícil regular, de maneira homogênea, a distribuição luminosa
sobre o conjunto exposto.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: + autores: O Brasil transatlântico Próximo Texto: José Simão: A coluna de José Simão passa a ser publicada no caderno "Eleições 2002". Índice
|