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Ponto de fuga
Medo
Jorge Coli
especial para a Folha
Já existem algumas críticas propondo o prêmio de pior
filme do ano a "Long Time Dead" ("O Jogo dos Espíritos"), de Marcus Adams. Trata-se de um "teen slasher",
terror em que adolescentes são assassinados em série.
Esse gênero teria surgido com um filme de Mario Bava,
de 1971, "Ecologia del Delitto", que teve uma inverossímil quantidade de títulos em italiano e em inglês; no
Brasil, se chamou "O Sexo na Sua Forma Mais Violenta"... Mas, se a primeira formulação surgiu na Itália de
Bava, ela conheceu desenvolvimento e afirmação dentro do cinema americano, adquirindo características
precisas. "O Jogo dos Espíritos" é inglês. Retoma a fórmula consagrada, mas se distancia do clima, anti-séptico, dos "colleges", "high-schools" e colônias de férias
americanos, onde essas histórias geralmente se passam.
Os personagens de Adams são mais "clubbers" do
que estudantes; flertam com a ilegalidade e vivem sobretudo à noite. O diretor não se importa se a trama é
mal construída e afasta tanto proezas estilísticas quanto
efeitos especiais. O resultado causa um certo estranhamento se comparado aos códigos que Hollywood estabeleceu para o gênero: talvez daí tenham vindo as críticas demolidoras. "O Jogo dos Espíritos" aguça, porém,
os medos das certezas e incertezas futuras, porque nelas
a morte, sem data e sem forma, está inscrita. Ele reforça
também a orfandade ontológica, tão presente no gênero. Desgarrar-se da família, entrar na idade adulta: momento crucial que leva à liberdade, mas ainda à perda
dos refúgios e das proteções, à consciência da vulnerável solidão.
Transfusão - Há sangue exótico escorrendo nas telas.
"O Jogo dos Espíritos" é inglês, "Blade 2" foi dirigido
por um mexicano, Guillermo del Toro. A história fala
de vampiros mais vampiros que os vampiros. Porém o
enredo importa pouco. Estão, em primeiro lugar, os climas opressores que se sucedem em cenários sugestivos.
Depois vem seu caráter de paroxismo sentimental.
"Blade 2" é uma ópera em que falta apenas o canto. As
situações são as do mais intenso melodrama: afetos impossíveis, fatalidades, traições, irmãos que se ignoram e
se odeiam, paternidades reconhecidas graças a uma pequena jóia, destinos selados por juramentos terríveis.
Ou seja, é o mesmo universo em que se movia o "Trovatore", "Nabucco" e mais Wagner. As cenas iniciais
possuem o tom cientificamente sórdido do "Wozzeck"
de Alban Berg; ao morrer, um dos heróis diz as mesmas
palavras que a "Traviata" no último ato: "Cessaram os
espasmos de dor", ou coisa que o valha. A ação dissolve-se diante das lutas, cujas coreografias são harmoniosas
como as de um balé; elas, de fato, interrompem o curso
dos acontecimentos para se oferecerem com beleza
própria. Em meio a essas tensões altamente estetizadas,
não pareceria tão absurdo se os personagens se pusessem a cantar seus desesperos, conflitos e contradições,
estirando as vozes nos agudos do soprano ou do tenor.
Fera - Franceses também invadiram, com certo sucesso, o território do fantástico. Retomaram uma história
do século 18, ocorrida no sul da França. Uma besta violenta, na região de Gévaudan, atacava seres humanos:
alguns, hoje, imaginam ter sido um lince. Em "O Pacto
dos Lobos", Cristophe Gans, o diretor, inventa uma relação astuciosa para explicar o mistério, que é, antes de
tudo, político. A besta seria o instrumento de conservadores radicais, concentrando a ferocidade de um protofacismo inquietante.
Carniça - Nas bancas de jornal encontra-se à venda
"Dia dos Mortos", em DVD "widescreen". É um filme
de George Romero, na série iniciada por "A Noite dos
Mortos-Vivos". Este último recebeu fortes leituras politizadas: estreou em 1968, com grande impacto. Romero
prosseguiu no filão zumbi de esquerda. "Dia dos Mortos" (1985) procede por uma constatação fria e implacável, desdobrando, com lógica, o princípio estabelecido
em "A Noite dos Mortos-Vivos". Dessa vez, ele faz cruzar a estúpida histeria militar e os cadáveres que andam.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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